Conheci Isabel Salgado quando eu tinha 13 anos. Acho que somos da mesma idade. Jogávamos vôlei no Flamengo na categoria mirim. Ela, mais a Jackie e outras garotas vinham do colégio Notre Dame que o técnico Ênio Figueiredo também da aula de vôlei. Às vezes elas vinham uniformizadas com saia no joelho cinza e blusa branca, umas santinhas. LOL. Além dessa semelhança nós ambos morávamos em Ipanema. Eu na Prudente com a Montenegro na época e ela na Nascimento com Maria Quitéria.
Mergulhávamos no mesmo mar de Ipanema até que um pouco mais tarde nos encontrávamos na praia em frente ao hotel Sol Ipanema. Lembro-me dela grávida da primeira filha. Algo meio consensual, um pouco escandaloso para época. A tal amizade colorida. Pilar se não engano o nome da filha. Sempre fui mais Jackie, outra libertária mais emocional, do meu jeito. Isabel cresceu e virou ídolo Isabel do Vôlei. Eu a vi jogar inúmeras vezes e na quadra garota era engraçada meio sem jeito e depois uma máquina de pontuar. Muito cerebral adora uma conversa. Hoje é avó e tem mais três filhos lindos do casamento com Ruy Solberg.
Filhas lindas, mas o filho Pedro Solberg mistura um pouco de Clint Eastwood com aquela virilidade brasileira. É top! Hoje no what´s app recebi uma carta aberta de Isabel e como carioca, brasileiro e que ama seu país resolvi postar aqui no site também. Ah! Joguei até os 16 anos depois ganhei o mundo.
Aí vai.
Meu nome é Isabel, joguei vôlei na seleção brasileira, representei o Brasil por muitos anos. Resolvi escrever essa carta aberta, não para falar de esporte, mas para falar da cultura, porque acredito que só pude ser a jogadora que fui e a pessoa que sou graças aos filmes que vi, aos livros que li, às músicas que ouvi, às histórias que minha avó me contava. Minha mãe era professora e escritora, amava os livros, adorava música, e foi ela quem me apresentou a Chico Buarque, Caetano, Cartola, Luiz Melodia, entre tantos grandes compositores brasileiros. Lembro, quando chegava do treino muito cansada, que me deitava no sofá e ela me falava dos poetas que amava: Bandeira, Joao Cabral, Cecília Meirelles, Drummond…. Hoje tenho certeza que aquela atmosfera foi muito importante na minha formação.
Quantas vezes, ouvindo e dançando as músicas de Gilberto Gil com Jacqueline , a grande campeã Olímpica, comemoramos vitórias e tentamos esquecer a dor de algumas derrotas. Lembro também do impacto que senti, aos 18 anos, quando assisti ao filme “Tudo Bem”, de Arnaldo Jabor, com a incrível Fernanda Montenegro e um elenco de craques. Aos 17, assisti “Trate-me Leão”, peça que inspirou toda uma geração. Quantas vezes, os livros me transportaram para outros universos e me permitiram aliviar as tensões das quadras.
Pois é, depois de um ano de governo Bolsonaro, preciso expressar meu horror com o que tem acontecido com a cultura. É muito duro ouvir os insultos que foram proferidos contra Fernanda Montenegro; ver Chico Buarque ganhar o prêmio Camões, maior prêmio da língua portuguesa, sem que o presidente cumprimente ou comemore o feito; testemunhar a morte de João Gilberto, um dos maiores compositores brasileiros sem que nenhuma homenagem tenha sido feita pelo governo. É estarrecedor saber que nosso cinema é premiado lá fora e atacado aqui dentro; ver o ataque brutal à casa de Rui Barbosa, com as exonerações dos pesquisadores que eram a alma e o coração daquela instituição. E como se não bastassem esses exemplos de barbaridade, assistimos ainda o constante flerte do governo com a censura.
Essa carta é só pra dizer que eu me sinto muito ofendida, senhor Bolsonaro. Não sou uma intelectual, sou uma cidadã brasileira que acredita que a cultura é essencial para qualquer pessoa. Ela só existe ser for plural, em todas as formas de expressão. Por meio dela, formamos a nossa identidade. Se esse governo não gosta do nosso cinema, da nossa música, dos nossos escritores, eu quero dizer que eu e uma enorme parte dos brasileiros gostamos. Não aguento mais assistir a tantos absurdos calada. Vocês estão ofendendo uma grande parcela do povo brasileiro.
Aprendi no esporte que é fundamental respeitar as diferenças e saber que elas são enriquecedoras em todos os aspectos. Aprendi que é fundamental respeitar os adversários , e não tratá-los como inimigos. Compreendi, vivendo no esporte, o quanto é importante ser democrático. Inspire-se no esporte, senhor presidente! O senhor foi eleito democraticamente. Governe democraticamente, e não apenas para quem pensa como o senhor. Hoje eu pensei muito nos rumos da cultura, porque lembrei da minha querida avó, que me levava, quando menina, para passear nos jardins da casa de Rui Barbosa…
Isabel do Voleí Salgado