O artista plástico Pedro França, carioca e com uma estrada bem sedimentada e promissora, eu sinceramente não conhecia. Infelizmente. Mas, na vida de um jornalista as efemérides acontecem e através da pandemia acabei assistindo ao vídeo 3D da exposição “Que Vão que Vem” um diálogo de obras do Pedro França com Victor Gerhard, na Galeria Jaqueline Martins, em São Paulo. Fiquei fascinado pela exposição para mim um das melhores deste ano pandêmico. Senti um cheiro de novidades e pensei: – os artistas estão trabalhando e comprovei esse pensamento na versão digital da SP- ARTE.
Pedro chamou minha atenção pela atualidade. Parecia que eu estava assistindo os telejornais mundiais. Tudo sintetizadonas suas telas. Múltiplos avatares. Um vigor nas pinturas e os vídeos pareciam uma retrospectiva e ao mesmo tempo aquela atualidade que me fazia questionar, isso foi ontem, hoje ou será o amanhã? Procurei a galeria para saber mais sobre o artista e alguns amigos também forneceram pistas. Soube que ele é carioca e tinha mudado recentemente para São Paulo. Pelo insta, terra de todos e de ninguém fiz contato e assisti uma live sobre a exposição. Curti ainda mais e o convidei para uma entrevista. Deu certo e aí está um pouco do Pedro França para vocês.
1- Fazer arte sempre esteve presente na sua infância ou compreender e estudar a arte aconteceu primeiro?
Na minha infância eu não sabia o que era arte. Minha família estava longe desse universo. Mas eu gostava de fazer coisas com minhas mãos e meus corpo. Rasgar, empilhar, rabiscar, desenhar. Gostava de materiais, de terra, de sujeira… de buracos no chão, de coisas enterradas, de poças de lama… Como todo mundo, talvez, mas eu percebo que a arte acabou sendo um jeito de lidar com esse tipo de impulso de uma forma que eu não sentisse vergonha. Então talvez antes de tudo tenha vindo isso: Eu gostava de coisas que sentia que eram repulsivas a outros olhas e tinha vergonha. Meu primeiro contato com o universo da arte foi na adolescência, quando meio por acaso eu fui fazer aulas de desenho no Parque Lage. Eu morava na Zona Norte e estudava no Centro, então era um circuito muito diferente. A partir daí eu comecei a entender o que podia ser a arte como um campo, e comecei também a estudar e ler sobre artistas
2 – Você é um estudioso da arte. Qual o recorte no tempo mais te fascina?
O que mais me fascina na arte é justamente o modo como nela os tempos se misturam e convivem, sem linearidade, sem passado e nem futuro. Arte não conjuga tempo: Não existe arte “do passado”, ou “de hoje”. Os retratos de Fayoun, peças funerárias maravilhosas feitas em cera no Egito antigo, estão comigo e são meus contemporâneos, falam de vida e morte, e impõem sua presença na minha imaginação, hoje, em 2020. Todas as artes entendem essa mistura: o carnaval recupera estruturas rítmicas antiquíssimas para falar do presente, a poesia vive se engalfinhando com formas e problemas muito tradicionais, etc. Acho que é porque em arte o tempo faz curva. Então eu gosto de arte de todo tempo – E toda arte pode pertencer a todo tempo.
3- Você faz teatro e guarda muita memorias nos seus HD o que mostra um pouca uma itinerância para onde você vai agora?
Sim, meu trabalho sempre foi muito misturado: teatro, pintura, trabalhos digitais, instalações, etc. Durante um tempo isso me agoniava, porque sentia aí uma inconsistência. Mas já passei por alguns ciclos de ida e volta nessas mídias todas, e hoje entendo que é assim que eu trabalho, e que essa diversidade me alimenta e me deixa sempre atento para pistas que podem sugerir mudanças de percurso. Eu sinto que a experiência de fazer arte transforma o modo como eu percebo o mundo. E meu trabalho é simplesmente trabalhar e deixar esses percursos se desenharem, sem travar o processo com as minhas próprias neuroses. Além disso, eu sinto que todas essas coisas se misturam tanto, teatro, pintura, vídeo… não sei como explicar, por um lado as coisas são absolutamente singulares, linguagens muito específicas, e por outro parece tudo a mesma coisa. Mas, para responder objetivamente à sua pergunta, nesse momento estou fazendo duas coisas: um vídeo novo e uma série de desenhos. Aliás, desenhar é algo que sempre faço, um exercício diário, uma forma de pensar formalmente… então seja essa uma costura num tecido de trabalhos tão diversos.
4- Você nasceu no Rio e no seu crescimento você convivia muito com a natureza ou a selva urbana te interessa mais?
Tinha uma mistura muito interessante das duas coisas: eu nasci na Tijuca, perto do morro do Borel e da Floresta da Tijuca. Estudei na Praça Mauá, no Centro. Então gostava muito da energia do Centro, da uruguaiana, da rua. Gostava do funk, que é uma coisa muito importante na minha formação artística. Ao mesmo tempo minha mãe me levava muito para a Floresta da Tijuca, onde eu e meus irmãos fazíamos trilhas relativamente longas considerando nossa idade. Eu sempre gostei de mato, sobretudo de caminhar no mato. Adorava desenhar florestas, o mato fechado à frente, como um Pollock.
5- Em seus videos as imagens vem carregadas de emoção e sua edição busca na estética essa climax de sensibilidade você pode falar um pouco sobre isso?
Nossa, que difícil! Acho que poderia responder assim: Eu tenho uma relação muito afetiva com as imagens, elas me fazem rir e chorar muito facilmente. Nos meus vídeos eu uso tanto imagens apropriadas quanto imagens feitas por mim. Acho que toda imagem traz a marca da ausência, de algo que não está mais lá, e isso é em si mesmo trágico, mágico, intenso. Então uma imagem pode ser um lamento, um amuleto, uma invocação… Há também os sonhos, que são experiências imagéticas que podem dizer respeito ao futuro, a coisas por vir…. A gene chama nossos desenhos de futuro de imaginação…. Tudo isso é o universo fantasmagórico da imagem, pairando do ausente pro ainda não existente… talvez seja meio por aí que eu tento usá-las nos meus trabalhos.
6- A pintura é um exercício diário no seu cotidiano?
A pintura não, mas o desenho sim. Não quero enfatizar muito a diferença entre essas coisas, digo desenho como uma coisa mais rápida, algo que está ali ao alcance da mão a qualquer hora, num caderninho ou num pedaço de papel, e que portanto guarda a agilidade e a concentração de uma anotação. Uma anotação nunca é algo displicente, mas um exercício compacto de linguagem que pode irradiar para coisas muito maiores e distantes.
7 – O coletivo como forma de trabalho e inspiração é que te atrai ou você mais solitário que observa tudo ao redor?
Uau, pergunta difícil. Eu faço parte de um coletivo, a Cia Teatral Ueiunzz, e também mantenho uma prática de ateliê, que é em geral solitária. Talvez as coisas não sejam fundamentalmente diferentes. Tenho a sensação de que todo trabalho é solitário – mesmo o trabalho coletivo, ou seja, trabalhar junto com outras pessoas requer uma experiência solitária de criação. Ao mesmo tempo, todo trabalho artístico, mesmo o mais solitário, talvez seja sempre coletivo, na medida em que sempre se está participando de uma espécie de conversa com um monte de gente, de tempos e lugares diversos.
8- Fala um pouco sobre essa sua experiencia de professor/curador?
Eu comecei a dar aulas em 2006, no Parque Lage. Foi algo que fiz ininterruptamente até o ano passado. Dar aulas se tornou para mim um jeito de pensar, uma oportunidade para testar ideias ou intuições, um lugar onde coisas surpreendentes apareciam. Então dar aulas sempre foi um processo vivo de criação, na conversa com as pessoas, com as imagens, com os textos. É isso que me interessa: pessoas juntas, pensando, olhando e vendo algo aparecer, uma pequena ideia, uma sinapsezinha…
A curadoria, para mim, foi outro caso. Eu tive algumas experiências como curador ou assistente de curadoria, mas essa atividade não me foi muito estimulante, e eu não segui adiante.
Acho que dar aulas, pra mim, é mais parecido com fazer arte, como falei acima. E eu fui aluno ou estive próximo de excelentes artistas / professores, como a Anna Bella Geiger e o Ricardo Basbaum, e percebo como para essas pessoas as aulas alimentam o trabalho que alimentam as aulas, etc.
9- O que você tem assistido ou lido. Jornalismo, noticiários te interessam.
Eu sempre leio coisas diferentes ao mesmo tempo. Neste momento estou lendo o livro do Sidarta Ribeiro, “O Oráculo da Noite”, que é o resultado de anos de pesquisa dele sobre sonhos, um romance de um escritor Nigeriano chamado Amos Tututola chamado O Bebedor de Vinho de Palmeira, que é um delírio maravilhoso.
10- Qual é sua paixão atual, seu fascínio?
O mundo sempre, dos vivos e dos mortos.