Essa semana o nosso entrevistado é o artista Renato Bezerra de Mello. O artista das formas sensoriais que através de suas obras investigamos nossas memorias como espectador e alguma formas nos sentimos também expostos ou retratados naquele mundo refinado e sútil.   

Confesso que fui descobrindo o mundo do artista aos poucos.  Colheradas de sabores diferentes como a primeira vez que com uma gogoia.  Um estranhamento e logo depois uma sensação de fruta do conde.  Um trabalho mental que leva ao prazer.  Uma orquídea, daquelas de sapatinho. Coisas raras.  Hoje sou um admirador do seu trabalho. 

Com vocês um pouco o trabalho lindo de Renato Bezerra de Mello.

Uma joia!

 

Esse ano 2020 será inesquecível para humanidade. Como a pandemia afetou o momento no seu trabalho artístico?

2020: ainda não passou, e a pandemia continua nos afetando. Espero não ter outros anos inesquecíveis como este. O que estamos vivendo me atordoa, e isso afeta a minha vida e naturalmente o meu trabalho. Em algum momento isso vai aparecer no trabalho, mais ainda é cedo, meu processo de maturação, e depois de execução das coisas, é longo, é lento. Acho que 2020 está nos mostrando que deveríamos ser mais atentos e cuidadosos. Não no sentido de se proteger, mas no de dar atenção e cuidar de si, dos outros e de tudo aquilo que nos cerca.

Como você utiliza o mundo digital?

O meio digital é muito útil, e eu lanço mão dele com frequência, na execução de inúmeras tarefas cotidianas. Já no processo criativo, uso bem menos, e mais como suporte, já que gosto muito do contato com os materiais e dos modos manuais de fazer: riscar, bordar, lixar, recortar etc.

Renato Bezerra de Mello

  Existe uma nova grafia para você dentro das suas pesquisas?

Eu gosto de trabalhar com modos manuais de fazer corriqueiros, no sentido de que todas as pessoas podem fazer, e muitas fazem, com intenção artística ou não. Ou seja, eu não trabalho com meios artísticos, exclusivamente. E nesse sentido, acredito que crio, a partir desses modos de fazer muito simples, uma grafia própria, e mais própria do que nova. 

Você é de Pernambuco e você ainda mergulha nas suas raízes para suas pesquisas?

Essa sua pergunta me faz pensar na música de Chico Buarque, “Paratodos”. Sou pernambucano, paraibano, baiano, carioca também, sou brasileiro, que é ser múltiplo. Mergulho sim nas minhas raízes, e o Nordeste é um lugar muito importante para mim. Mas mergulho como se mergulha no mar, quase sempre sem saber o que tem lá no fundo.

O bordado está presente em muitas das suas obras quem te ensinou costurar?

Aprendi a bordar com uma amiga muito querida, Claudia Costa, ou melhor, Claudia Margarida, portuguesa, que na época vivia em Paris, assim como eu. Isto foi em 2002 ou 2003, e de lá para cá sempre faço algum trabalho com a linha e a agulha. Anos depois iniciei um trabalho em que bordo com outras pessoas, sobre um jogo de mesa do enxoval da minha Mãe, é um bordado livre, mas algumas pessoas sabem bordar, e assim sigo aprendendo, o que é muito bom.

Renato Bezerra de Mello

Quais são os suportes que você está trabalhando atualmente?

Atualmente eu estou bordando, à mão e também à máquina de costura, e estou desenhando em cadernos, que é outro suporte que me interessa muito. Gosto da introspeção do caderno, especialmente neste momento difícil que estamos vivendo. Desconfio que será dentro desses cadernos que os efeitos da pandemia poderão surgir no meu trabalho.

 A memória está presente com força no seu trabalho e também os espaços vazios como você estabelece um diálogo ou para você são momentos distintos?

Não são momentos distintos, creio que não, o esquecimento, ou o espaço vazio, como você fala, faz parte da memória, tanto quanto a lembrança. Lembrança e esquecimento constituem a memória. Esta questão é muito bem tratada por Jeanne Marie Gagnebin. Como sou um leitor pouco organizado, não poderei lhe dar exatamente a referência, mas em algum dos seus livros ela nos diz algo assim:  que a memória é um movimento de tensão entre a lembrança e o esquecimento.

Renato Bezerra de Mello

Se hoje você pudesse escolher um lugar para desenvolver ou pesquisar sobre algo onde você iria?

Eu tinha programado para esse ano uma viagem ao Japão, outra para Olinda, e outra para Salvador. Eram viagens de lazer, mas os lugares e os momentos não tinham sido escolhidos à toa. Certamente trariam, e trarão em breve, assim espero, matéria para o meu trabalho.

Você fez psicanálise? Se fez fala um pouco sobre essa experiência?

Eu comecei a fazer psicanalise no ainda no , no inicio dos anos 1980. Continuei aqui, e retorno vez por outra para me escutar. É o que posso lhe dizer, resumidamente, de tantos anos desta prática: escutar-se. Acho que é isto, um dos principais ensinamentos da psicanalise.

Renato Bezerra de Mello

Você já trabalhou com barro ou argila?

Sim, na Faculdade de Arquitetura, mas ainda não o fiz no ateliê. Curioso que tenha feito esta pergunta, pois tenho vontade.

Com que você sonha? tem pesadelos? Você pode contar um ou outro?

Sonho, e tenho pesadelos também. Atualmente tenho sonhado muito com os amigos que não tenho podido encontrar pessoalmente. Bons encontros.

Você tem saudades?  se tem me conte uma

Sim, tenho saudades, muitas. Das pessoas, dos lugares, das situações vividas. Mas veja bem, saudades sem saudosismo. Saudades com alegria, mas as vezes saudades com tristeza também, precisamos aceitar, e aprender a viver todos os sentimentos.

O arredondado das formas do corpo – Foto Michelle – Renato Bezerra de Mello