Em abril de 2020, ano de tantas perdas, a música brasileira perdia Moraes Moreira. Ficou um vazio imenso e a beleza de uma obra tão vasta e perene quanto genial.
Para Davi Moraes, filho e herdeiro musical do artista baiano, foram muitas perdas: “Além de um pai, eu perdi um parceiro, um professor, o companheiro de estrada, tudo isso junto. Eis que num momento tão difícil, com o país em lockdown, acontece um olhar poético incrível e imensurável para a história por ele deixada! Saído da pequena Ituaçu para viver o sonho da música, primeiro com seus manos dos Novos Baianos, para logo em seguida se tornar o primeiro cantor do Trio Elétrico – junto com Armandinho e a família Dodô e Osmar-, para enfim alçar voo em uma carreira gigantesca, levando toda essa cultura para âmbito nacional”.
No dia 5 de janeiro Davi Moraes lançou um EP com quatro canções, três delas inéditas, que nasceu do desejo de homenagear Moraes Moreira do jeito que ele gostava: cercado de amigos. Como já trabalhava em um novo disco com Kassin, Davi o chamou para produzir com ele o EP batizado de “Todos nós”.
A semente inicial foi “Aquele abraço do Gil”, parceria inédita de Moraes e Joyce Moreno: “Ele a encontrou na padaria e deu uma letra manuscrita num pedaço de papel. Meu pai sempre foi muito fã da Joyce e eu peguei isso por tabela. De um dia para o outro, ela fez um samba maravilhoso e mandou o áudio pra ele, pelo celular”. Davi chamou o baterista Paulo Braga e o baixista Alberto Continentino, e juntos fizeram uma versão em cima do áudio original, como se fosse uma pré, e Joyce adorou o que ouviu. “A gente ficou impressionado com a letra, que foi uma das últimas que ele fez. Os primeiros versos dizem: “No meu andar de passista, a minha alma de artista deixa o corpo e voa. Ao exalar-se etérea. Ali mesmo onde a matéria ainda não povoa”.
Algum tempo depois, foi a cantora e compositora carioca quem sugeriu gravá-la: “A Joyce deu uma sacudida muito positiva. Ela me disse: ‘a gente está com a música pronta, porque não gravamos, todo mundo junto, e lançamos um single?” Nascia assim o projeto que marca a estreia de Davi Moraes na Biscoito Fino, gravadora que havia lançado álbuns e singles de Moraes. “Contei pra Joyce a minha ideia de gravar mais três canções e lançar um EP. Eu estava sentindo uma necessidade muito grande de fazer uma homenagem ao meu pai, por toda a história de vida que a gente teve junto”.
Depois de “Aquele abraço do Gil”, segunda faixa do EP, outra canção inédita entrou na seleção: “Aos Santos”, parceria de Davi Moraes com mais um convidado, que abre o projeto. “Compus um bolero e mandei para Carlinhos Brown, que amou a melodia e profeticamente escreveu em um dos versos: “Fiquei sem respostas, sem tocar na banda”. Era o primeiro ano em décadas que não fui ao Carnaval com meu pai. Em outro verso, ele diz: “Você foi embora, me deixou aos prantos, e apaixonado consultei os Santos “, rimando amor e dor com muita inteireza. Brown veio tocar percussão com a gente e Kassim participa no contrabaixo acústico.”
O passo seguinte foi convidar Marina Lima para gravar uma canção de Moraes. “Ela sempre teve uma ligação afetiva com “Davilicença”, ficou maravilhada quando viu meu pai e Armandinho compondo essa música, no dia em que os dois se conheceram”, conta Davi. Marina, que é prima de Marília, mãe de Davi, viu o começo do namoro de seus pais e lembra sempre do jeito doce de Moraes, que a chamava de Marininha. A gravação aconteceu em São Paulo, em clima intimista: “Eu achei que a gente deveria fazer a música só nós dois, de voz e violão. Ela ficou muito emocionada, eu também”.
Depois do dueto com Marina, uma inédita que Mu Carvalho compôs em parceria com Tuca de Oliveira, chamada “O cantor das multidões”. “Fiquei muito emocionado quando ouvi a música que eles fizeram em homenagem ao meu pai, então, chamei o Mu para fazer o piano junto com o Dadi no baixo, o Cesinha na bateria e o Marcos Nimrichter no acordeão. Ficou um clima meio A Cor do Som”.
“Fico feliz de reunir esse time, porque era uma marca dele ter sido gravado por cantoras e cantores incríveis da música brasileira. Acabou que o EP tem esse clima A Cor do Som, Brown, Marina, Joyce, que chegaram naturalmente ao projeto”, conclui Davi, antes de contar o porquê o título “Todos Nós”: “Minha irmã Ciça teve essa ideia, é o nome da primeira música que eu fiz, com uns 10, 11 anos, e que ele acabou me botando pra gravar com a banda dele no disco Bazar Brasileiro. Também porque a família sempre ia junto nas turnês daquela época. Esse nome tem esse significado: não é só um presente meu, mas de todos nós para ele.
Pai, sou seu eterno fã”