Abre hoje a exposição “Yangi” do artista Moises Patrício na Galeria Karla Osório, em Brasília. A exposição individual que estará em cartaz até 15 de abril.
A exposição YANGÍ reúne um conjunto expressivo de obras em várias técnicas como pinturas, desenho, fotografias, esculturas, assentamentos e despachos. Ela ocupa vários espaços na galeria, inclusive a área externa nos jardins e a maior parte das obras foi produzida em residência artística de Patrício de mais de 40 dias em Brasília.
Como diz o texto curatorial de autoria de Ana Beatriz Almeida que também estará presente na abertura.
“Yangí” , o Ésú primordial cujo corpo fragmentado ocupa os nove céus, dá nome ao conjunto de obras. Com o intuito de criar um espaço entre mundos, as produções que compõem Yangí dialogam com éticas e estéticas silenciadas na modernidade. Desta forma propõe- se que as obras sejam experenciadas para além das regras de forma, volume e material que normalmente compõem o olhar sobre a arte contemporânea. Cada ponto situado no espaço expográfico corresponde ao corpo expandido do princípio de interação entre tudo que existe.
Ao propor uma exposição-ebó, o artista-bàbálórìsà Moisés Patrício convoca o público a ampliar seu senso de experiência artística. Visto que os ebós constituem uma forma de alimentação de níveis supra-humanos de existência, ainda que detenham uma materialidade definida, sua finalidade prática é de natureza transcendental- sendo destinado aos ancestrais e orisas.
Logo, enquanto comida devotiva, a exposição ocupa um lugar sacrificial, no sentido daquilo que se põe a serviço da coletividade, no ato de saciar uma fome que ultrapassa a dimensão da vida. Neste sentido, ao evocar uma exposição-ebó, propõe-se que as produções estéticas aqui presentes, tenham como finalidade provocar uma experiência ética que transcenda o próprio objeto. Transformando cada obra num veículo entre o presente e uma realidade secular expandida.
Diante da emergência da morte (Iku) enquanto força limitadora e reguladora da humanidade, Moisés Patricio evoca tecnologias que aprenderam a negociar com o genocídio na construção do Estado-Nação. Ao evocar Yangí em sua capacidade de dialogar com Iku, o artista-bàbálórìsà retoma as lógicas de matriz africana, não como uma sub -categoria da racionalidade, mas como a única racionalidade possível. Diante da decadência em escala global da racionalidade cartesiana e dos modos de vida na modernidade, a exposição sugere uma iniciação do público na prática de ressignificar a vida diante da morte enquanto rotina.
Esta prática coletiva dos povos de matriz africana é a tecnologia identitária que durante séculos têm possibilitado a vida para aqueles que nasceram em cativeiro. O rapto dos ancestrais como justificativa para o genocídio e a pobreza sistêmica demanda tecnologias de existência avançadas. Uma alquimia delicada entre sangue, transcendência e afeto.
As diversas etapas deste processo estão nos contornos dos mariwos* – geometria que define o inicio e o fim do sagrado; nas imagens de iniciação e sacrifício, práticas de reconexão ancestral das comunidades de matriz africana; nas repetições da série Aceita?, um duplo expandido que, assim como Yangí, tem mais de mil reproduções; no assentamento de laterita vermelha, materialidade do próprio Ésú primordial.
Por fim, em sua função de iniciador, Moisés Patrício se apresenta em Yangí sob o binômio artista-bàbálórìsà, no propósito de fundir partes da vida que não podem ser separadas, nos desafiando em nossa capacidade de negociar entre opostos.
Enquanto uma exposição-ebó, busca-se, em última instância, apaziguar a sede de Iku, que tem feito da morte, não apenas uma rotina física, mas ética e estética de natureza psíquica, enraizada em nossas formas de existir. Num período em que Iku determina a tônica da vida, Yangí evoca a Iniciação, o Sacrificio e os Ancestrais .
*palhas secas de dendezeiro, principal alimento de Ésú