Majestoso, onírico, perturbador ou fora da ordem. Vocês pode escolher qualquer adjetivo e qualificar a obra do artista plástico mineiro Francisco Nuk, mas nunca ficar indiferente. O volume e a proporção são quase que reais, mas não são. O mundo de Francisco Nuk é diferente e sólido e o que ele cria são devaneios reais. A madeira ganha através de muita força e técnica novos caminhos além dos usuais da marcenaria. Esse mundo que Francisco Nuk apresenta através das suas obras são também nosso delírio de subverter a ordem natural dos objetos, das coisas e de nossas memórias.
Francisco Nuk atualmente expõe seus recentes trabalhos na individual “A Forma não cumpre a Função” ” na Galeria Radiante, o novo projeto dos irmãos Guilherme e Gustavo Carneiro, diretores da Galeria INOX e da matriarca Teresinha Carneiro. A galeria fica no coração de Ipanema e tem uma pegada entre mais ampla que vai da arte moderna a contemporânea. No dia 16 de outubro o artista também outra individual desta vez em São Paulo, na Galeria Lume.
Conversamos sobre seu trabalho e sobre sua carreira.
1) Quando começou seu interesse pelas artes e quando você decidiu a fazer arte como forma de trabalho?
O interesse pelas artes sempre existiu. Nasci numa família de artistas plásticos, e desde novo sou estimulado a apreciar todas as formas de expressões artísticas. Embora tenha decidido me dedicar de vez ao meio a três anos.
2) Entre esses dois momentos como foi seu percurso sua família o impulsionou?
Minha família tem um papel importantíssimo na minha formação artística. Meu pai foi o maior incentivador do meu trabalho e principal tutor. Já minha mãe sempre buscou estimular meu pensamento crítico e compreender conceitualmente os lugares que o trabalho me trazia. São duas pessoas que fazem parte de um alicerce aonde posso contar para construir minha obra.
3) O interesse pela escultura e pela madeira vieram juntos ou foi uma pesquisa?
A paixão pela madeira não tem um motivo ou lugar específico em minha vida. Seria injusto dizer que não veio pelo trabalho de meu pai, mas não poderia dizer que veio somente daí. A madeira de uma forma discreta sempre esteve próximo do meu caminhar, mas foi a seis anos que decidi de vez estudar esse material e todas as técnicas de ofício que ele possibilita.
4) Quais são suas referências artísticas?
Tenho diversos artistas que admiro e me inspiro, mas tentarei fazer um top três: Los Carpinteros, Erwin Wurm e claro, Amilcar de Castro.
5) Porque você escolheu a madeira?
A madeira é um material tão versátil. Sempre me encantou sua plasticidade. Além do mais, a madeira é um material vivo. Ela racha, empena, atrofia, muda de cor… e ao mesmo tempo transfere muita energia.
6) Como é o seu processo? O que você usa para dar forma a suas obras?
Meu processo é muito complexo e extenso para passar por completo nessa entrevista. Talvez tivessem que fazer outra somente para exemplar todos os passos. Mas posso dizer que todo ele se passa por mim e é efetuado por mim.
Desde os primeiros esboços numa folha de caderno, a criação de uma maquete miniatura, o molde em tamanho real com as soluções de matemática e engenharia, ir comprar a madeira e escolher cada tábua a dedo para que seja a mais adequada para cada corte, aparelhar essa madeira, cortar as partes, montagem e por fim mas talvez o mais trabalhoso, dar acabamento.
7) Como foi trabalhar neste período de pandemia?
A pandemia tem sido um momento de muita produção para mim. Não tive restrições de isolamento já que trabalho sozinho em meu atelier. Na verdade, a construção dessa obra foi um importante fator de manutenção de minha saúde mental. O futuro pareceu muito incerto em todos os aspectos, mas uma coisa estava certo: o mundo poderia acabar lá fora, desde que estivesse construindo minha obra, me senti bem.
8) Como é a rotina do seu atelier?
Preciso ter uma disciplina na produção desse trabalho. Tenho muitas ideias e todas tomam muito tempo e trabalho, portanto não posso deixar a rotina ser muito livre. Trato como se fosse um trabalho formal: levanto as portas do atelier todos os dias às 7:30 da manhã. Fecho para almoço. E costumo seguir até as 19hs da noite.
9) Com surge as forma das suas e o porque que desconstroem o uso funcional dos objetos ?
O trabalho anda na linha tênue do utilitário e da peça escultural. As primeiras ideias tinham como objetivo transformar um armário em uma escultura. Entorta-lo significava quebrar sua utilidade convencional uma vez que sua engenharia primária seria completamente abalada. Uma gaveta precisa estar no esquadro para funcionar. Mas durante esse processo surgiu a solução de uma nova estrutura que possibilitasse abrir e fechar essa gaveta que até então estava destinada a ficar trancada para sempre.
Esse novo cenário causou uma certa confusão interna já que embora a gaveta fosse torta, ainda assim poderia utilizá-la, mas ainda assim a via como uma peça escultural. Desta forma encontrei o ponto de partida de minha pesquisa. Explorar os limites da utilidade invocando o surrealismo até chegar ao inútil. E observar como são essas mutações da utilidade.
Durante esse processo, deparei-me com o fato de que me enxergava na obra, minha pessoa, meu cosmo. A peça criava uma personalidade própria, deixava de ser inanimado a animado, tornava-se viva. Assim a pesquisa se voltou à busca do lugar que a Utilidade exerce dentro de nossa sociedade. O que é utilidade e inutilidade para esse sistema? Somos úteis para que? Para quem? Por quê? Quão importante é a ideia de utilidade na construção de um indivíduo? Quanto nos aproximamos de ser um armário, um objeto? O que guardamos dentro dele? Dentro de nós?
Perguntas que tem sido exercícios constantes desde o início da produção dessa obra e que até hoje não possuem respostas concretas