Nas minhas pesquisas pelas exposições em tempos de pandemia, sempre encontro algo que me emociona. Um vigor jovem me interessa e muito e assim acabo voltando a Galeria Kogan Amaro que tem essa pegada de apresentar no seu anuário de exposições artistas que fascinam e que surpreendem.
Esse foi o caso do artista paulistano Gabriel Botta que está com sua individual “Nos Confins” em cartaz na galeria e ele é o nosso entrevistado da semana.
De cara suas composições me pegaram. Forte e fluido no gestual as suas cores perpetuam o estado abstrato das formas. A curadoria é de Pollyana Quintella que tem maior bom gosto. E daí procurei o artista e como de praxe fiz algumas perguntas sobre seu processo.
Foi ótimo.
1) Como aconteceu o seu interesse pelas artes?
O interesse inicial aconteceu ainda na infância. A minha família tinha uma padaria nos anos 90, lembro de habitar os corredores, a cozinha, o armazém dos sacos de farinha e o quartinho de contabilidade com um relógio amarelo da Camel pendurado na parede. Também presenciei muitas vezes minha mãe (que é atriz) em cena, onde eu circulava nos camarins e no backstage. O mundo dos bastidores sempre me fascinou, ele está por trás do espetáculo e estrutura em silêncio uma imagem a ser apresentada para o público ou aos clientes, levei alguns anos até compreender que a minha pesquisa de vida estava mais atrelada a ser pintor do que cozinheiro ou ator. E nisto entra o desenho, que desde muito pequeno se tornou um hábito.
2) Sua educação escolar de alguma maneira te influenciou?
Sem dúvida, sempre tive o privilégio de estudar em escolas com alguma relação com as artes, e pude experimentar de alguma maneira áreas distintas. Mas ainda assim o colégio em geral me fez muito mal, sinto que fui podado e aprendi muito pouco sobre coisas básicas da vida. O sistema pedagógico no Brasil dá poucas opções de descoberta para o aluno, então em algum lugar a única coisa que possuía era a minha revolta. Esta que se mostrou ainda na adolescência em uma tentativa de isolamento do mundo através dos jogos de computador, e mais tarde no início da fase adulta aderi a arte como um instrumento de fala. Hoje em dia sinto que a principal influência destes sistemas de educação em minha trajetória foi a de gerar uma inquietude em meu processo.
3) Quais foram as primeiras referências que levaram a sua produção atual?
Percebo que a cada momento certas referências tem mais impacto que outras. Me inspiro muito em Doig, Sisley, Bacon, Richter, Bispo do Rosário, Kafka, Marshall, Bourgeois, entre tantos outros que construíram estas estruturas vibrantes. No último ano tenho olhado muito para o Volpi. O tratamento cromático, o uso dos pigmentos e as torções na realidade que ele gerou. Olhando daqui da janela do ateliê, vejo as mesmas fábricas que ele pintou e achatou de forma anárquica, só que agora com distorções na escala, principalmente na vertical, onde no lugar de fábricas antigas surgem arranha-céus aos montes. Tudo isso mexe muito com o meu imaginário e com o modo como eu olho para o mundo, e as pinturas em geral são ótimos mapas.
4) O que te emociona mais, a figura ou a cor?
Sinto que o uso da cor varia na mesma direção em que o meu corpo percorre o tempo. Onde vejo, re-vejo, analiso, sinto, reflito, e num anseio de amor a imagem evapora e se mostra, como num sopro do instante, numa pequena fissura do tempo um trabalho de arte pode acontecer. A emoção na relação com a pintura é um canto longo, para se tornar um construtor de imagens é preciso modificar muitas coisas internas.
5) Como é seu processo no ateliê?
O processo é inventado a cada dia, co-criado pelo tempo. Há uma vontade de gerar calor e analisar as conexões que estão sendo feitas entre os trabalhos, alguns exigem muitos estágios e são sempre tomadas de decisões muito difíceis, pois há um fio condutor, mas também um cálculo diferente para cada trabalho. No último ano optei por fazer minhas próprias tintas com pigmentos e solventes, e tem gerado uma paleta bem legal. Estou num processo de aprendizado com a pintura que é muito gratificante.
6) Qual a função da curadoria no seu processo expositivo?
Nesta mostra atual, “Nos confins”, tive um processo muito bacana com a Pollyana Quintella, que aceitou meu convite para escrever o texto e fazer a curadoria da mostra. É um processo de interlocução e deriva, que está ressoando de várias formas. Uma delas é a construção de um lugar de conversa. A Polly tem um olhar muito bom, que me ajudou a pensar em certos termos e conceitos da imagem que eu ainda não havia me deparado.
7) O que você busca no seu trabalho?
Ainda estou descobrindo, mas depois de alguns anos a pesquisa vai sendo mostrada… Tem certas repetições de imagens ou modos de construir uma pintura que geram um fio condutor, a cada nova imagem, uma nova narrativa é inventada.
8) Em tempos de pandemia sua visão da arte contemporânea mudou de alguma maneira?
Há uma pressão muito grande do mercado e de certas instituições na ideia de simplificar a produção nas artes plásticas a certos temas ou assuntos. Isso aumentou muito no momento em que a arte se tornou visível somente no digital. A partir disso, se perde a relação física com a obra e se reduz um trabalho de arte a alguns algoritmos. Isso acentua a desvalorização poética e cultural que a arte contemporânea vem tendo nos últimos anos, formando e gerando artistas cada vez menos interessados numa pesquisa própria.
9) Quais são seus planos para 2021?
Continuar produzindo sentido. A rotina no ateliê alicerça a pintura.
10) Tem algum lugar que você gostaria de fazer uma residência artística?
Sim, tem algumas cidades que tenho muito interesse em viver por um período, Nova Iorque sempre foi um lugar de fascínio visual, principalmente pelas embalagens e a tipografia americana, e me interesso muito pela cultura dos países asiáticos, seria muito bacana passar alguns meses em Tokyo por exemplo.