Há um ano que várias questões me atingem e atormentam. Vida afetiva, a sexualidade, vida a dois. Não penso só na minha vida é claro. Penso globalmente, como os casais estão se adaptando a essa nova realidade. Sejam ricos ou sejam pobres, não importa algo mudou o sistema afetivo. Pequenas traições, pequenas felicidades. Grandes conflitos que pré existiam antes da pandemia. Ganharam força ou perderam seu propósito.
Tudo levado ao extremo. Afinal estamos nesse convívio com a covid-19 já há um ano. Sem falar das pessoas que não estão nem aí para o vírus e tocam suas vidas. Sexo de aluguel, amor sem fim, violência doméstica e pequenos delitos. Tudo junto na flutuação desse novo momento e alcançando novas amplitudes. Realmente, o século XXI começou em 2020.
Para levantar questões ouvir especialistas em diversos aspectos sobre como viver “em pandemia” pedimos a psicanalista Lorena Coutinho.
Lorena Coutinho atua como psicanalista (ligada à Letra Freudiana) e como terapeuta de carreira. Em se tratando desse último, ela auxilia tanto na Gestão estratégica de Talentos quanto na psicoterapia para empresas, possibilitando a ela fazer um trabalho individualizado ou auxiliar em campos ligados à gestão de pessoas, melhorando a relação de empregadores com seus subordinados. Essas linhas de trabalho fazem dela uma referência nesses temas. No campo da gestão, ela dedica-se a outro tipo de administração: a do Modernistas, o simpático espaço que une, em Santa Teresa, hostel e galeria de arte do qual é sócia, juntamente com Thelma Innecco.
O efeito pandêmico nas relações conjugais
por Lorena Coutinho
A pandemia nos trouxe um tempo radical, porque nos colocou diante da finitude — e isso é muito ameaçador. É um estado de desamparo, da “presença da falta”, de castração. Estamos todos ameaçados por este “Real” pandêmico, que não contemporiza, e isso produz e intensifica muitos sintomas que afetam não somente a economia da realidade objetiva, mas, sobretudo, a economia libidinal, da nossa realidade psíquica, da subjetividade, produzindo muitos efeitos nas nossas relações.
O confinamento, o isolamento e o distanciamento social trazem uma vivência de excesso de presença. E, ao mesmo tempo, de excesso de ausência, tanto de nós mesmos quanto daqueles com os quais habitamos. Se antes nos víamos em casa de forma intervalada, fosse no café da manhã, antes de sair para o trabalho, ou à noite, pós-expediente, passamos a conviver intensamente, sem intervalos. O trabalho de fora veio para dentro de casa, e o trabalho de casa passou a ser tarefa de todos.
Esta intensidade nas relações provocou mudanças, despertou muitas questões interessantes, além de conflitos familiares. E isso afeta, portanto, a economia afetiva, principalmente entre os casais.
Não é possível generalizar, pois as pessoas são singulares e têm seu próprio desejo. Assim como cada casal tem seu próprio sintoma. Mas o que era um doce lar antes da pandemia pode ter se tornado azedo. Já um lar que era azedo pode ter se tornado doce. Certo é que ninguém saiu ileso, pois esse excesso — tanto de presença quanto de ausência — não é o ideal para a boa saúde psíquica.
Alguns efeitos são visíveis nas relações conjugais. Vamos a eles:
O desemprego de um dos parceiros — ou mesmo do casal — pode ter um impacto forte na relação. Isso mexe não só com a economia financeira, além de representar uma ferida narcísica. E isso acaba por provocar mal-estar, perda da libido, baixa auto-estima, insegurança elevada em relação ao futuro, aos planos do casal e da família. Não só a perda do trabalho em si, mas o medo da perda do emprego pode produzir muitos transtornos psíquicos que afetam o relacionamento.
Da mesma forma que pode haver o aumento da parceria entre casais, pode acontecer o aumento da rivalidade entre eles. Alguns se sentiram invadidos na sua intimidade; outros sentiram solidão, mesmo estando juntos. Já outros, devido à crise, inovaram nas suas relações e fortaleceram seus vínculos. Muitos conseguem atuar como “equilibristas” na relação, tentando ficar mais atentos a cada passo, a cada fala, para suavizar e dar leveza …
Um efeito comumente apontado é o “excesso do casal”. Ele ocorre devido ao distanciado dos amigos, dos prazeres, das festas, das atividades… Ele pode produzir efeitos diversos, inclusive na sexualidade, na desidealização da “cara metade”. Na reflexão sobre monogamia, sobre a sintonia entre seus desejos.
O excesso de presença e da intimidade pode fazer cair a ilusão em relação à hiperidealizada paixão amorosa. “Não era exatamente aquilo que eu imaginava” é uma das frases recorrentes. O que leva muitas pessoas a optarem por manter a distância do outro, alçado à categoria de “porco espinho” (risos).
O confinamento pode levar a um uso excessivo das redes sociais e isso, por sua vez, pode causar ciúme excessivo. E, em se tratando de ciúme, como na canção do Caetano, ele “lança sua flecha preta”. E fere…
Entre os efeitos mais drásticos do confinamento estão o aumento da violência doméstica e até do feminicídio. As compulsões também aumentam, como o abuso do consumo de álcool, remédios e drogas. E esse coquetel pode destruir a vida conjugal.
Outro aumento preocupante é o de psciopatologias, como depressão, crises de angústia (pânico), transtornos de ansiedade, hipocondria, fobia social, entre outros. Esses sintomas afetam muito a vida amorosa do casal, principalmente a libido sexual.
Por outro lado, está em alta o uso intensivo dos aplicativos de relacionamento. Detalhe: não somente pelos solteiros, mas pelos casados. A troca de nudes pela internet está mais forte do que nunca e até o Pix, quem diria, está sendo usado para paquera. O que isso tudo quer dizer sobre a “cultura de casal”? Como serão as relações pós-pandemia? Como reza a letra daquele samba-enredo, responda quem puder. A questão é que, por ora, nem bola de cristal ou cartomantes sabem a resposta. Só o tempo, esse senhor imemorial, para dizer como será o amanhã.
Lorena Coutinho é psicanalista e terapeuta de carreira