Olav Schrader vê com otimismo o futuro do Rio de Janeiro. Superintendente do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – ele vê a cidade do Rio com uma grande capacidade de regeneração. Schrader tem sido incansável na sua finalidade de realizar aquilo que considera uma das chaves para levantar o astral dos Cariocas: reintegrar ao máximo o nosso riquíssimo Patrimônio Histórico e Cultural à sociedade.
A sua rotina de trabalho é uma verdadeira maratona, praticamente sete dias por semana, moldando uma gestão mais eficiente que se propõe transformar um grande passivo de Patrimônio em fonte de autoestima, prosperidade e inclusão social. Aos poucos, o Rio de Janeiro vem se tornando um laboratório de novas parcerias e abordagens originais. Uma das primeiras ações neste sentido já se concretizou, como no caso da criação de uma força tarefa conjunta para restaurar o Palácio do Itamaraty e ampliar suas perspectivas no circuito cultural e turístico.
Uma das prioridades de Schrader tem sido as zonas centrais da cidade, onde há uma grande concentração de bens e conjuntos tombados a nível nacional. Recentemente, também concedeu endosso da Superintendência ao Instituto de Pesquisa dos Pretos Novos na Gamboa além de apoiar ativamente o trabalho de recuperação da Igreja de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos.
No centro do Rio, o Largo de São Francisco merece preocupação especial do Iphan, por conta da história do conjunto que inclui o casario do entorno, a Igreja de São Francisco de Paula, o Instituto de Filosofia e o Real Gabinete Português de Leitura. Outra questão que está sendo trabalhada com carinho pelo Superintendente é a chancela do Iphan para a transformação do casario histórico no entorno da Praça Quinze em imóveis residenciais e assim revalorizar a área através de seu charme de época.
1 – Como é este seu novo foco em parcerias e que resultados você espera alcançar?
O Patrimônio Histórico e Cultural não pode ficar distanciado da sociedade. E temos que rever, quando possível, a dependência de recursos estatais que talvez nunca sejam suficientes num país com as nossas carências. O conceito de sustentabilidade é essencial não apenas na questão ambiental. O Patrimônio Histórico e Cultural tem que ter uma função social, tem que ter projeto de uso sustentável e incluir as forças produtivas da iniciativa privada, do terceiro setor. Quem já viajou pelo mundo pôde observar o quanto este Patrimônio alavanca a indústria criativa e cultural, a gastronomia, a hotelaria e também abriga escritórios, moradias e os mais diversos serviços. Já passou da hora de trazer o nosso riquíssimo Patrimônio Histórico e Cultural pro cerne da nossa vocação de referência cultural e turística, tomando como modelo as melhores práticas internacionais.
2 – Como foi a atuação do Iphan na retomada da histórica “Imperial Irmandade Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos”, mais conhecida simplesmente como Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
Pela primeira vez, pedimos como Iphan recursos ao Fundo de Direitos Difusos para a elaboração dos projetos de obras necessárias para o resgate da Igreja. Foi muito positivo também buscar agir junto ao Ministério Público Federal e ao Judiciário, bem como com parlamentares dispostos a liberar emendas, no sentido de buscar soluções tecnicamente viáveis sob a nova gestão da Arquidiocese. Uma das experiências mais inesquecíveis de minha vida foi quando finalmente conseguimos entrar na Igreja com apoio da polícia e respaldados por sentença judicial. Mesmo constatando que aquilo estava um desastre, eu senti na pele e no coração que ali começava o resgate da nossa história.
3 – O Iphan também está prestigiando o Instituto de Pesquisa dos Pretos Novos. Qual a importância histórica e cultural desse Instituto?
O Instituto se insere no contexto territorial da nossa “Pequena África”, que deveria ser valorizada como um circuito diversificado que inclui também o Largo de Santa Rita, o Cais do Valongo, a Pedra do Sal e outros. Mas o Instituto de Pesquisa dos Pretos Novos é também o bastião que vela, talvez, até quarenta mil corpos de pessoas subtraídas de forma violenta de sua terra natal e enterradas como indigentes no além mar. Este Instituto tem se mantido de pé há décadas com pouquíssimo ou nenhum apoio, mas com muito amor e dedicação. Vou sempre dar um reconhecimento especial a este tipo de inciativas, comprovadamente valorosas, por acreditar que é o povo, a sociedade civil, o real guardião do nosso Patrimônio Cultural.
4 – O Largo de São Francisco também é um lugar fascinante do Rio, com a Igreja, a praça e o Real Gabinete Português de Leitura. Parece que a reforma daquela região é um de seus projetos mais queridos. Como seria esse trabalho?
Fomos pioneiros em pedir recursos para o restauro das fachadas da Igreja de São Francisco de Paula e estou na torcida para que efetivamente sejam liberados. Abrimos também uma via de diálogo com o Real Gabinete Português de Leitura que, mesmo não sendo um bem tombado nacional, vem fazendo um primoroso trabalho de cuidados neste conjunto que é uma verdadeira pérola do Rio de Janeiro e do Brasil. Esperamos poder abrir uma via de diálogo também com a nova gestão municipal e incluir o Instituto de Filosofia que, mesmo sendo um centro de excelência, infelizmente segue o padrão geral da UFRJ de má conservação de imóveis históricos. Devolver este magnífico lugar aos cariocas, em toda a sua plenitude, é um sonho que para se realizar vai depender do fortalecimento da união de todos os envolvidos.
5 – Comenta-se bastante hoje em dia sobre transformar o centro da cidade numa imensa área residencial. Essa parece ser uma tendência para os próximos anos. Mas muitos imóveis do centro são prédios e casarões históricos. O que o Iphan pode fazer para proteger e, ao mesmo tempo, incentivar o uso desses imóveis tombados como moradia? É verdade que a área da Praça 15 já está sendo analisada pelo Iphan?
Há anos eu venho apontando que temos que corrigir o erro histórico que foi segregar o centro da cidade. Você cria um tecido social muito mais saudável e sustentável quando as pessoas moram perto do trabalho, se deslocam a pé ou de bicicleta, consomem no comércio de bairro e trocam ideias da forma democrática nas praças e espaços públicos. Recobrar a beleza de ser Carioca passa muito por abraçarmos novamente este modo de viver.
Quanto à Praça Quinze, os relatórios técnicos apontam de fato uma situação especialmente sensível. Há neste entorno um conjunto tombado de várias dezenas de imóveis históricos em situação vulnerável e sem perspectiva real de preservação se não tivermos a coragem e a humildade de mudarmos alguns paradigmas. Para nossa felicidade, a nossa presidência do Iphan em Brasília tem dado todo o apoio e esperamos ainda este ano propor, proativamente, a chancela do Iphan para inciativas na região que incluam proprietários, investidores e administração pública.
6 – Como você se apresenta para as pessoas? Quem é, de verdade, Olav Schrader?
O Olav é uma criança de três para quatro anos de idade que se declarou apaixonada pelo espetáculo dos aplausos e do pôr do sol nas pedras do Arpoador. Percebendo meu encanto, minha mãe me lembrou que éramos uma família de imigrantes (pai holandês e mãe nicaraguense) e que eu nunca deixasse de ser grato à esta cidade e à este país que nos acolheram tão bem e aos quais tanto devemos.
Hoje, muitos anos depois, já falando oito idiomas, tendo trabalhado em mais de vinte países, e com mais de uma década de atividades ligadas ao patrimônio histórico, chegou a hora de usar toda minha bagagem acumulada para demonstrar a gratidão que aquela criança prometeu. Seja vendo aquele mesmo pôr do sol ou apreciando uma revoada de maritacas na Quinta da Boa Vista, quero estar de bermuda e chinelo, tomando uma cervejinha gelada, com o sentimento de que dei o meu melhor para contribuir com este maravilhoso Brasil.
com colaboração de Waldir Leite @waldirleite58