Uma das mais concorridas exposições desse semestre em São Paulo é do artista maranhense Thiago Martins de Melo. Sua primeira exposição na Galeria Millan “Ouroboros sucuri” é um sucesso e permanece na galeria até o dia 06 de novembro. A mostra, com curadoria do islandês Gunnar B. Kvaran, reúne 19 trabalhos inéditos, incluindo pinturas e esculturas, e traz um olhar curatorial retrospectivo sobre a produção do artista, bem como suas distintas narrativas ao longo do tempo.
A trajetória de Thiago Martins de Melo revela em si um projeto de múltiplos experimentos sobre o ato de narrar e suas possibilidades na ampliação da técnica pictórica. Tais características marcam o corpo de trabalhos apresentados na exposição ao integrar animações em stop-motion e peças escultóricas ao suporte tradicional. Na prática do artista, é o desenvolvimento do enredo de cada trabalho que distende e movimenta a técnica,
elaborando, através de diferentes referências e signos, seu processo intuitivo.
A organização curatorial de Ouroboros sucuri é divida em duas partes, sendo a primeira centrada na simbologia da serpente. Sua aparição em narrativas culturais e religiosas ao longo da história é evocada de diferentes maneiras nos trabalhos de Martins de Melo, a exemplo da obra que empresta seu título à exposição. A imagem de representação do Ouroboros consiste numa serpente que morde a própria cauda, em formato circular. Este conceito milenar, tendo sido observado pela primeira vez no Egito antigo, alude à ideia de eterno retorno, da evolução e da reconstrução. No trabalho de Martins de Melo, tal signo é revisitado tanto como uma moldura quanto como protagonista das cenas – aqui a serpente é tanto narrada quanto enunciadora e antecessora da trama.
Já a segunda parte da mostra apresenta uma “constelação de novas obras” que, segundo Kvaran, refletem temáticas e soluções formais mais recentes na produção de Martins de Melo. Nesta seção, as poéticas perpassam o ocultismo, o espiritismo, elementos de culturas indígenas e afro-brasileiras, temas da política atual, entre outros temas, através de um viés pós-colonial. Para o curador, esses trabalhos “formam uma construção complexa, em que o espectador passa por diferentes zonas da ficção baseada na realidade. É essa fusão de signos e símbolos, religiosos e espirituais, e referências sociais e políticas da memória coletiva que carregam essas obras com a sua energia singular e que as inserem na grande tradição da pintura histórica.”
Embebidas de significado, essas imagens povoadas de histórias se justapõem e inauguram camadas de representações simultâneas, como no trabalho Ascensão – Queda – Aliança – Redenção (2021), cujo título já antecipa uma sequência narrativa a desenrolar-se.
Tais imagens desvelam, ainda, referências singulares, muito caras ao repertório construtivo doartista. Trabalhos como Ogum Corisco no útero da terra – para Glauber Rocha e Naná Vasconcelos (2020) e Ogum Xoroquê expulsa os demônios de Caspar Plautius – para Tuíra Kayapó, Sebastião Salgado e Marighella (2019) convidam o espectador a identificar e interpretar esses referenciais, bem como seus agenciamentos nas tramas apresentadas. A exposição é acompanhada ainda de uma brochura que traz imagens de obras e o texto curatorial — uma extensa e rica conversa entre curador e artista, fruto de uma troca e parceria que vêm construindo ao longo de anos.
Fotos Bruno Leão