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José Resende – Molas

As esculturas saem, visivelmente, uma das outras, no entanto, cada uma é uma e singular. Há que enfrentá-las de modo frontal, corpo a corpo, embora se resumam quase a perfis. E há ainda que encontrar a distância certa, pessoal, ou não se deixam apreender por completo. Logo que a alcançamos, porém, elas nos remetem a suas parceiras. 

Juntas, cumprem sua tarefa poética: mobilizar o espaço, incitá-lo a atrair e vibrar, enfim, transformá-lo em um entorno curioso a fazer e refazer a mesma pergunta acerca do que significa de fato olhar, com ímpeto e inspiração, o mundo. Não lhe prestamos a devida atenção, em geral, apressados à toa; sobretudo, não sabemos acompanhar sua mobilidade. Ninguém olha duas vezes o mesmo rio. Ou a arte propõe e propaga modelos de comportamento perceptivo ou apenas acrescenta mais objetos de consumo a um mundo que ameaça desabar sob o peso deles.

O que caracteriza, desde sempre, a escultura de José Resende é o Elogio da Contingência. Tudo que o que é, podia ser diferente. As ditas obras-primas o confirmam: parecem sempre novas e frescas. Assim e só assim desfrutamos a conquista da liberdade moderna. Exposição acontece na próxima quinta feira, dia 08 de dezembro, na Mul.ti.plo

A virtude cardeal do trabalho vem a ser o Expediente, o talento para resolver problemas e dilemas rápida e decididamente. No caso em pauta, dois únicos elementos tubulares, de 40 e 80 cm, atravessados de dentro por um fio de aço que termina num laço casual e certeiro, asseguram a personalidade estética dessas peças, a um tempo, tensas e ligeiras, de equilíbrio delicado mas convicto. Não existe nenhum mistério, a não ser que costumam dar certo! Na horizontal ou na vertical, no centro ou na quina da parede, elas exibem uma “figura” em ação.

Carl Andre, o escultor minimalista, em resposta à perplexidade diante de suas peças literais, insistia que elas tinham, sim, base: a terra. José Resende pontuaria – a terra, em movimento de rotação e translação. Em consonância, certamente ocasional, com o nome da galeria, a exposição leva ao extremo o tema da mobilidade ao traduzi-la em plena multiplicidade.

As peças seriam múltiplos entre si até no sentido aritmético do termo – formam um conjunto de variáveis que amplia a noção corrente de Múltiplo: uma série de unidades estéticas idênticas a negar o fetiche da obra única. Aqui a multiplicidade é substantiva, inerente a cada escultura. Afirma o primado das manobras – enganosamente fáceis, na verdade, frutos de uma prática ao longo de décadas a fio – sobre o suposto produto final. O que vemos e sentimos, em última instância, são exemplos diferenciados de uma Engenharia Poética, esta sim, constitui o núcleo autoral.

 

 

O próprio de toda engenharia é solucionar seus problemas in loco. Daí que essas peças, abertas por princípio, deixando para trás o dualismo interioridade-exterioridade, demandem a habilidade de saber colocá-las em ação. Reagem de modo diverso ao lugar específico onde vão aparecer. Não serão outras, naturalmente, também não serão as mesmas. O que as distingue é a inquietude, a ativar um olhar inteligente que interrogue com vivacidade o ao redor.

Em tempos sombrios, sob o risco constante de ver prevalecer a negação deliberada e peremptória da Razão Iluminista e da Livre Imaginação promovida pelo alto Romantismo, quem ousaria chamar otimista um trabalho de arte contemporâneo? Seguramente, porém, a escultura de José Resende é abertura ao mundo, vocação para o futuro.

A acompanhar as esculturas – feitas do mesmo latão e seguindo manobras afins – os relevos têm um aspecto mais rude e convoluto graças à interferência da grossa mola que periga levá-los ao ponto de ruptura. Em todo caso, complicam a fluência apolínea da exposição, opõem às suas linhas de força desenvoltas- já ia dizendo, coreográficas – um movimento inesperado, ora de contração, ora de expansão. Nada intimistas, até meio mal encarados, os relevos parecem querer nos alertar (com certo humor, se não me enganam) para as exigências e vicissitudes do mundo da vida. Ainda assim, lembram também a capacidade de nos desdobrarmos, frente a elas, positivamente.