• Post author:

As relações do corpo com o espaço cênico sempre nortearam a bailarina Maria Alice Poppe na sua pesquisa de movimento. Tais buscas encontraram eco também na encenadora e dramaturga Thereza Rocha. Essas investigações juntaram-nas em projetos como “3mulheres e um café” (2010) e na instalação visual “Máquina de dançar” (2014), apontadas pelo jornal O Globo como um dos melhores espetáculos dos respectivos anos.

Essa busca norteia ainda o fazer artístico da dupla em Anatomias, projeto no qual unem-se pela primeira vez às premiadas diretoras e coreógrafas Marcela Levi e Lucia Russo, que, juntas, respondem pela direção artística. Levi assina também  o que define como desenho de som da apresentação. E o resultado é pungente e pode ser conferido no Mezanino do Sesc Copacabana de 06 a 16 de outubro, quinta a domingo, às 20h30m, com ingressos a R$ 30.

O espelho é um advento revelador. Ao mesmo tempo em que reflete (duplica ou multiplica) um objeto, o espelho também o fragmenta numa multiplicação caleidoscópica. Maria Alice está só em cena, mas não na sala de espetáculos. Com ela está também o público. Os espectadores a observam e veem-se também refletidos. Eles enxergam a bailarina, suas múltiplas formas e os desdobramentos provocados pelos reflexos. E vão do reflexo à reflexão.

E, assim, o objeto refletido ganha características cubistas ou mesmo surrealistas. E, esta última, é um dos pilares de sustentação das artistas-autoras de “Anatomias”. Poppe costuma trazer elementos de outras manifestações artísticas à sua pesquisa, como, no caso, fotografias daquele que é o papa da fotografia moderna: Man Ray (1890-1976).

Ray está presente na gênese de “Anatomias”. Mais exatamente a fotografia Anatomies (1929), que dá título à performance. Na imagem, a região que abarca o queixo e o pescoço feminino forma um novo objeto, pulsante e pungente, ainda que inanimado. Outras imagens do fotógrafo  nortearam a pesquisa: La Prière (A prece, 1930), Primat de la matière sur la pensée (A primazia do pensamento sobre a matéria, 1929) e Mr. and Mrs. Woodman (1947).

Alice Poppe

 

Outro norte para o trabalho é a foto “Nude bent forward”, de Lee Miller, modelo e, posteriormente, discípula de Ray. A imagem em questão também ajudou na concepção do solo apresentado por Poppe em um dos ambientes do supracitado “Máquina de dançar”.

E as influências motivam ideias que suscitam criações artísticas num moto-contínuo da mesma forma que a imagem de um objeto se multiplica através do seu reflexo no espelho. É assim com a arte, é assim com a vida. E, desta forma, há de ser. Até que, com o passar do tempo, diferentemente do que temia outro poeta da canção, o espelho se quebre.

Foto  Vicente de Mello