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Jogos costumam ser associados com alguma forma de entretenimento. Mas, na exposição Playmode, que está aberta ao público no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB RJ), o conceito proposto vai além. Artistas de diversas nacionalidades, sete deles brasileiros, incorporaram em suas obras todo o potencial lúdico dos games para desconstruir modelos e propor reflexões profundas sobre temas sociais e da condição humana.

Playmode chegou ao Rio de Janeiro depois de uma temporada de sucesso no CCBB Belo Horizonte. A exposição foi realizada pela primeira vez no Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia – MAAT, em Portugal. Com curadoria dos portugueses Filipe Pais e Patrícia Gouveia, a mostra também será exibida nos Centros Culturais Banco do Brasil São Paulo (25/10) e Brasília (01/02/2023).

“Buscamos obras que simbolizem a revolução digital que nós vivemos e que apresentem, pela linguagem da tecnologia, as necessidades básicas humanas de interagir, de se espelhar no outro e de resistir à imobilidade”, descreve Gouveia. “Esperamos que as pessoas se envolvam com a proposta”, diz Pais. “Assim como os portugueses, os brasileiros são curiosos e acredito que vão gostar de participar”, completa o curador.

Ele enfatiza que a interatividade de algumas das peças apresentadas convida o visitante a uma participação ativa, que coloca o público diante de experiências lúdicas, sensoriais e conceituais. “Os jogos criam um mundo à parte, alterando as nossas perspectivas e formas de ver as realidades que nos envolvem”, detalha.

Organização e destaques da mostra

Ao propor uma reflexão sobre a faceta lúdica da sociedade contemporânea, Playmode divide os trabalhos dos artistas em três grandes eixos: “Modos de desconstruir, de modificar e de especular”, “Modos de participar e de mudar” e, por último, “Modos de transformar, de sonhar e de trabalhar”.

No primeiro eixo encontram-se obras que exploram os modos de jogar. Valendo-se de jogos bem conhecidos, propõe a transformação de regras e mecanismos já automatizados pelas pessoas familiarizadas com esses jogos. Sugere-se, nessa dinâmica, a revisão de conceitos como resistência e o estímulo para promover novas visões do mundo contemporâneo.

Estão presentes na mostra artistas e estúdios, produtores e coletivos da Alemanha, Brasil, Croácia, Estados Unidos, França, Grécia, Nova Zelândia, Portugal e Japão. São eles: Aram Bartholl, Bill Viola + Game Innovation Lab, Bobware, Brad Downey, Brent Watanabe, Coletivo Beya Xinã Bena + Guilherme Meneses, David OReilly, Filipe Vilas-Boas, Harum Farocki, Isamu Noguchi, Jaime Lauriano, Joseph DeLappe, Laura Lima + Marcius Galan, Lucas Pope, Mary Flanagan, Mediengruppe Bitnik, Milton Manetas, Molleindustria, Nelson Leirner, Pippin Barr, Priscila Fernandes, Raquel Fukuda + Ricardo Barreto, Samuel Bianchini, Shimabuku, Tale of Tales (Auriea Harvey e Michaël Samyn) e The Pixel Hunt.

SERVIÇO

Playmode, de 20/07 a 12/10.

Segundas das 9h às 21h; terças é fechado; de quarta a sábado das 9h às 21h e domingo das 9h às 20h. Ingressos: Disponíveis gratuitamente na bilheteria do CCBB RJ ou previamente agendados pelo site ou aplicativo Eventim.

Classificação indicativa de acordo com cada obra

O CCBB RJ fica na Rua Primeiro de Março, 66 – Centro – Rio de Janeiro, RJ.

Jaime Lauriano*
A Taça do Mundo é Nossa, 2018
Réplica da taça Jules Rimet fundida em latão e cartuchos de munições utilizadas pela Forças Armadas
Brasileiras sobre base de compensado naval; 130 x 30 x 30 cm
A violência militar no Brasil e as narrativas do colonialismo sul-americano são dimensões centrais que
atravessam o imaginário e a obra artística de Jaime Lauriano. Através de uma série de objetos e instalações
manifestamente políticos, Lauriano invoca e desconstrói períodos e episódios da ditadura militar brasileira, da
colonização e do tráfico de escravos que marcam profundamente a história contemporânea do Brasil.
A Taça do Mundo é Nossa é um objeto escultórico, uma réplica do famoso troféu Jules Rimet, que galardoou
a vitória do Brasil no tricampeonato da Copa do mundo em 1970. Lauriano replicou esse objeto icônico
derretendo restos de cartuchos de munição que foram usados pelas forças militares do Brasil em várias zonas
de conflito. Para o artista, esta apropriação representa simbolicamente a instrumentalização do futebol como
elemento de propaganda em regimes repressivos na Argentina, Brasil, Chile e Uruguai, entre os anos sessenta
e setenta. Na base da taça, podemos ler o nome desses países assim como as datas das respectivas
ditaduras.
*Brasil, 1985.

 

Mesa de Jogos, 2020
Mesa de madeira com materiais diversos (baralhos, peças de madeira, elásticos, caçapa de sinuca, bolas de
sinuca…)
220 x 110 cm
A obra Mesa de Jogos, de Laura Lima e Marcius Galan (2020), questiona a importância das regras nos
sistemas lúdicos e, por vezes, rígidos da contemporaneidade. Nesse contexto, propõe-se uma desconstrução
destas regras por meio da brincadeira. Assim, a partir de objetos de jogos existentes como, por exemplo, um
tabuleiro de xadrez, baralhos de cartas e outros adereços, cria-se uma mesa liberta dos constrangimentos
tradicionais para se inquirir sobre a relação existente entre brincadeira (paidia), cujas regras podem ser
livremente modificadas, e jogo (ludus), o que implica uma estrutura mais fechada cujas regras não são
negociáveis sem que isso ponha em causa a experiência lúdica. Nesse sentido, a interação surge como um
híbrido entre regras, que se desconstroem a partir de outros jogos, e as múltiplas possibilidades de desvio e
subversão por via da brincadeira.

 

Felipe Vilas Boas
The Rated Republic of China, 2017
Impressão por sublimação sobre tecido; 100 × 150 cm
Cortesia do artista
United Likes of America, 2017
Impressão por sublimação sobre tecido; 100 × 150 cm
Cortesia do artista
Numa sociedade cada vez mais informatizada, interligada e automatizada, o quantitativo e a lógica surgem
como valores dominantes. As nossas atividades e interações cotidianas deixam rastro — são dados que ficam
registrados e podem ser recolhidos, quantificados e avaliados de forma precisa. Num sistema de gratificação
que parece retirado de um videogame, o governo chinês está desenvolvendo um crédito social que permitirá
avaliar a reputação dos cidadãos por meio de um esquema de pontos. Em The Rated Republic of China, Filipe
Vilas-Boas modifica sutilmente a bandeira chinesa, fazendo alusão ao modelo de classificação por estrelas e
à situação radical do método de atribuição de créditos sociais chinês. Essa lógica de quantificação é hoje
possível por todo o lado graças a uma multiplicidade de plataformas que recolhem os nossos dados pessoais
e possibilitam uma avaliação permanente de tudo e de todos. Em United Likes of America, Vilas-Boas substitui
as estrelas da bandeira norte-americana por um ícone semelhante ao like do Facebook. Neste détournement
gráfico, o artista faz referência ao poder e à onipresença da rede social, que chegou a afetar as eleições norteamericanas de 2016 e, por consequência, a marcar a história dessa nação com a vitória de Donald Trump.
* Portugal, 1981

 

 

 

U.S. Pavilion Expo ’70, Garden of the Moon, 1968
Gesso pintado; modelo não realizado, escala 1:200
Cortesia de The Isamu Noguchi Foundation e Garden Museum, Nova Iorque
Concebida por Isamu Noguchi, a maquete do U.S. Pavilion Expo ’70 sugere uma exploração da experiência
estética como um processo que não se reduz à criação de objetos. O meio escultórico proposto, em forma de
parque infantil, promove uma interação física e social não muito usual em galerias e museus. Neste contexto,
a obra de Isamu Noguchi explora a utilização de espaços públicos e estruturas lúdicas onde os visitantes
podem envolver-se ativamente em experiências artísticas, educacionais e humanísticas renovadas por
conceitos originais. Embora poucos dos seus projetos tenham sido realizados, estes continuam a inspirar
artistas e designers contemporâneos no sentido de considerarem o jogo uma estratégia para construir
comunidades e estimular a criatividade no dia a dia.
* Estados Unidos da América, 1904–1988.

 

Nelson Leirner*
Cubo de Dados, 1970
Plástico, 10x10x10cm
O universo de Nelson Leirner é habitado por um elemento profundamente lúdico e humorístico, com muitas
referências ao seu passado e interesse pelos jogos, pelo esporte e pela cultura popular brasileira. Nas suas
esculturas e instalações, Leirner junta, compõe, constrói e desconstrói com os artefatos que vai apanhando e
colecionando. Num movimento impulsionado por forças de apropriação, contextualização e
descontextualização de elementos da cultura popular, as assemblagens de Leirner suscitam uma complexa
trama de leituras e significados sociopolíticos, humorísticos, culturais, lúdicos e poéticos.