Alguns anos atrás eu fui a exposição do artista Gustavo Speridião, na galeria Mercedes Viegas. Foi um dia aleatório e fiquei sozinho na galeria e depois de um tempo a visão ficou incomodada com algo que naquele momento não consegui entender. Pedi um uber e fugi.
Tempo passou, covid 19 chegou e por fim no mês passado fui a abertura da nova exposição do artista “ O Inventário de Problemas” na galeria Cassia Bomeny, em Ipanema. Mais uma vez fiquei atônito com o preciosismo da sua estrutura e base que solidifica a sua pintura e ideias que cabem e percorrem suas telas.
Pensei, estou em Ipanema e porque essas pinturas quase todas em preto e branco com algumas palavras de ordem me emocionam. Percebi que o discurso, a proposta não estava ali. Ia além ia para outro lugar e ao mesmo tempo pertencia ali também. Então conheci o artista.
Conversamos e trocamos umas simpatias e mútua cordialidade. Gostei mais ainda do que vi e fez tudo um sentido equilibrado. Dei outra volta e como uma condensação de emoções me senti no mundo, no planeta como um todo. Não havia mais um espaço que não fosse global. A arte se conecta em tempo e espaço com questões estéticas e políticas, filosóficas com os todos os continentes.
Palavras, gestos e linhas. Um grafismo sofisticado quase uma música. Mas, que musica é essa? Jazz, samba, uma mistura de balalaika e tamborim.
Combinamos uma visita ao seu novo atelier/studio e essa semana rolou de eu ir até lá. Um galpão na Gamboa. Nada tão luso-carioquês. Carioca, Gustavo estava ouvindo David Bowie quando cheguei. Cerâmica industrial no chão e uma gigante parede de basculantes que deixa a luz natural tomar conta do ambiente de uma maneira arrebatadora. O céu azul, o vento domar. Trabalhos espalhados em uma forma ordenada. O pé direito eu não consegui calcular o tamanho.
– Aqui também entra uma nuvem.
Será que ouvi isso mesmo, eu pensei. E fiquei imaginando uma nuvem dentro daquele espaço se apropriando de cada centímetro. Uma nuvem branca de água condensada repleta de lembranças que viajou pelo mundo da Sibéria a Antártica, passando pelos povos das florestas e parou um tempo ali na Gamboa. Conversamos com a trilha de Bowie ao fundo. Andei pelo atelier explorando as pinturas. Era como se um mundo de ideias e imagens imprimisse em camadas até o resultado final da pintura com aquelas palavras que o artista tomou para si fosse o que bastasse. Viajei? Pode ser!
Nossa conversa foi de frases curtas e os assuntos foram trocando, saltando. Arte, política, nomes, estórias de civilizações e de familiares, quotes e viagens. Andarilho e dono de um carisma impar Gustavo Speridião é artista completo. Espero voltar sempre ao atelier e combinamos de lermos cada uma e com títulos diferentes as novelas de Ivan Turgueniev para assim entendermos melhor Nelson Rodrigues.