Apresentação Carpintaria com Marcelo Cipis & Yuli Yamagata e a primeira individual do Mateus Moreira no Rio de Janeiro. Abertura no dia 22 de março, quarta-feira, das 18h às 21h.
Marcelo Cipis & Yuli Yamagata
A Fortes D’Aloia & Gabriel e a Gomide&Co têm orgulho de apresentar Dois pra cá, dois pra lá, exposição de Marcelo Cipis e Yuli Yamagata na Carpintaria, Rio de Janeiro. Nesse diálogo, os artistas fundem seus vocabulários formais e repertórios temáticos. Põem para conversar as figuras, texturas e cores que aparecem em suas obras, dando forma a uma espécie de casa mobiliada e habitada pelos seus personagens. As pinturas, desenhos e esculturas de Cipis que partem de um amálgama de idiomas gráficos decorativos e soluções plásticas pós-industriais compartilham o espaço com as composições hiperbólicas, volumosas e texturalmente híbridas de Yamagata.
Os trabalhos de Marcelo Cipis delineiam um recorte temporal impreciso, aproveitando dos anos 1920 os ângulos art deco de seu traço, dos 1950s a paleta cromática de cartazes publicitários e a sofisticação do mobiliário. O design de embalagens e produtos em tons pastel dos anos 1960 convive com desenhos de edifícios que remetem aos módulos plug-in da arquitetura pop. Em Perna Pêndulo (2017), Cipis produz um relógio cujo ponteiro pendular é uma perna humana, elegantemente vestida com sapato de salto e saia rosa.
Em Lavabo (2020), pinta figuras de cabelo azul entre pia, espelho, tapete e luminária. Não é claro se as figuras são uma estampa na parede ou se flutuam entre os objetos. É esse encontro entre corpo humano e elementos decorativos e funcionais que dá à arquitetura cenográfica de Marcelo Cipis o seu caráter astuto e atemporal.
Nas esculturas, pinturas, e pinturas-escultura de Yuli Yamagata convivem peças de roupa, alimentos, objetos domésticos, silhuetas humanas e contornos de animais. Elastano, fibra siliconada, linha de costura, algodão e tecidos tingidos com shibori dão corpo a essas figuras. A artista emprega a costura como desenho, o estofado e os elementos têxteis como técnica de pintura, e a dimensão volumétrica da escultura organiza a espacialidade de seus trabalhos.
Constrói Revisteiro (2023) com espigas de milho, ferro, pés protéticos e tênis; e monta Planeta Ordenadora (2023), uma mesa de computador, com estofados serpenteantes, uma almofada no lugar do monitor e um pé amputado escondido em seu interior. O mobiliário doméstico de Yamagata parece obedecer a uma ergonomia alienígena, e os dois trabalhos são cobertos por uma resina verde extraterrestre.
Com essa reunião de obras dos dois artistas, instaura-se um contexto em que a ambiência doméstica e a presença ubíqua dos produtos que a habitam estão transformados por procedimentos tão hábeis quanto irônicos, estabelecendo uma estranheza incontornável no seio do habitual. O trabalho de ambos dota o corriqueiro de ares fantásticos, lúdicos e inquietantes.
Marcelo Cipis (São Paulo, 1959). Vive e trabalha em São Paulo, representado pela Gomide&Co. Entre suas exposições recentes, destacam-se as individuais Enjoy, na Bergamin & Gomide (São Paulo, 2021); A Maravilhosa Cipis Transworld, na Spike Art Quarterly (Berlim, 2017) e Marcelo Cipis & Thomaz Rosa, na BFA Boatos Fine Arts (Milão, 2016), além de sua participação na 14ª Bienal de Curitiba, em 2019, com pinturas da série Drops. Em 1991, integrou a 21ª Bienal de São Paulo com a instalação “Cipis Transworld, Art, Industry & Commerce”.
Yuli Yamagata (São Paulo, 1989). Vive e trabalha em São Paulo, representada pela Fortes D’Aloia & Gabriel. Entre suas exposições recentes, destacam-se Afasta Nefasta, Ordet, Milan, Italy (2022); Insônia, Fortes D’Aloia & Gabriel, São Paulo, Brasil (2021); Nervo, MAC Niterói – Museu de Arte Contemporânea de Niterói, Niterói, Brasil (2021); Sweet Dreams, Nosferatu, Anton Kern Gallery, New York, USA (2021); Art Basel Parcours, Basel, Switzerland (2021); Bruxa, Galeria Madragoa, Lisboa, Portugal.
Dentre as exposições coletivas destacam-se: The Post Modern Child, MOCA – Museum of Contemporary Art Busan, Busan, Korea (2023); Who Tells a Tale Adds a Tail, Denver Art Museum, Denver, USA (2022); FARSA. Língua, fratura, ficção: Brasil-Portugal, Sesc Pompéia, São Paulo, Brasil (2020).
Exposição: Marcelo Cipis & Yuli Yamagata: Dois pra cá, dois pra lá
Abertura: 22 de março, 18h – 21h
Período da exposição: 22 de março – 06 de maio 2023
Visitação: Terça – Sexta-feira: 10h – 19h | Sábado: 10h – 18h
Endereço: R. Jardim Botânico, 971 – Jardim Botânico, Rio de Janeiro – Brasil
Imprensa: Ligia Carvalhosa | ligia@fdag.com.br
Mateus Moreira
O modo como os artistas compõem a luz, a temperatura, a umidade e as massas de ar que permeiam os objetos em uma paisagem é um assunto antigo. Antecede mesmo a consolidação da paisagem como um gênero pictórico na arte europeia. A questão foi discutida em tempos diferentes, por tradições diferentes.
Para tomarmos só dois exemplos, podemos citar o debate renascentista do século XV e os tratados chineses de seiscentos anos antes dos italianos. Leonardo da Vinci se preocupou com a maneira como eventos atmosféricos determinavam as oscilações de cor e nitidez na representação da profundidade. De outro modo, o artista e intelectual chinês Jing Hao se perguntava: como movimentar o pincel discretamente, do mesmo modo como um sopro de ar e luz atribui vitalidade aos elementos de um panorama?
Nas pinturas de Mateus Moreira, o que dá sentido às ações dos personagens e o lugar em que elas acontecem é a maneira de representar a atmosfera. O seu entendimento do que a pintura pode fazer se relaciona de maneira íntima com a capacidade que ela tem de refazer os significados desses elementos etéreos e vaporosos.
Na exposição Nêmesis, Moreira trata a paisagem de maneira cênica. Em suas pinturas é a luz e o ar que emprestam gravidade dramática aos acontecimentos, por mais dramáticos que sejam as ações dos personagens em si mesmos. Sobre um solo baixo, plano e desgastado, vemos uma paisagem enevoada, poeirenta, onde tudo o que restou parece deixado para trás. Sabemos disso, porque vemos longe e não parece ter sobrado nem uma pilha de destroços. Tudo é terra devastada.
Em Oblívio (2023), por exemplo, o artista pontua a superfície com postes altíssimos, sem fios elétricos. Eles surgem entre linhas férreas abandonadas, invadidas por uma enchente. Ao fundo, os vagões se enferrujam, ganhando a cor da nódoa que o vento carrega consigo. Todas aquelas pessoas perdidas parecem viver o desamparo de uma sociedade pós-industrial devastada. A escala dos personagens é diminuta.
Estão à deriva, sem reação. Uma luz esbranquiçada se funde com a fumaça e as nuvens. Não se vê nada para além de um brilho ofuscante no fundo. Nas canoas, nas margens da água, os personagens são mandados em nossa direção, mesmo porque não há para onde voltar.
A cena ocupa parte pequena da tela. É apenas uma consequência da ação do tempo. Em algumas das pinturas, os eventos são acompanhados de formas simbólicas arquetípicas; o artista inclui, por exemplo, pássaros e fósseis em trabalhos como Nêmesis (2023), Mácula (2023) e Cárcere (2023). Com isso, parece fazer das ruínas o resultado de uma promessa vinda de outro mundo, outro tempo, de origem mítica.
Não por acaso, o fogo que sobe aos céus em Mácula, sobe de maneira quase simétrica. Tal tratamento formal faz com que acontecimentos violentos e realistas sejam contados com o tom das profecias, das escatologias religiosas e das distopias.
Em sua maior parte, não obstante, o artista parte de imagens ou narrativas contemporâneas ligadas à violência racista, a conflitos fundiários, a opressão aos despossuídos e os genocídios. São temas políticos urgentes, do presente. Aliás, paradoxalmente, uma das telas mais fantasiosas e alegóricas da exposição é Compulsão (2023).
Nela, Moreira se inspira em uma cena já histórica, saída do noticiário: o espancamento de Rodney King, em Los Angeles, em março de 1991. O fato foi capturado por uma câmera de vídeo doméstica, e, como imagem, se tornou exemplar da denúncia da violência policial contra os negros nos Estados Unidos. Ela segue a repercutir até hoje, na luta antirracista em diferentes latitudes.
O artista toma um dos frames do vídeo e recompõe a imagem. Em primeiro lugar, três figuras são distribuídas no centro da tela, seguindo formas de composição tradicionais. Lá, vemos um homem proteger a sua cabeça, enquanto outros dois o surram a golpes de cassetete. O movimento é de ataque violento e de uma última tentativa de se defender. Tingida de laranja, a cena parece acontecer sob o calor tórrido de um deserto mítico. Ao redor da ação, o artista distribui personagens imobilizados, a assistir o espancamento com sádica compenetração.
Na pintura o flagelo não tem data e nem cenário verossímil. Acontece em um cenário alquebrado que pode estar no presente, no passado ou no futuro. Olhamos ao centro da cena, para a violência, como os perversos personagens das margens. Aqui a opção formal também é uma opção moral.
Tal indefinição do tempo está em todas as pinturas. Embora a feição seja de uma ruína, a imagem não está no passado e nem no futuro. Ela é o presente, mais especificamente, aquele presente nas periferias das grandes cidades brasileiras. O artista, como alguns dos melhores escritores e cineastas brasileiros contemporâneos, recria esta experiência como algo que acontece já depois que se cumpriram as predições apocalípticas, em tom grandiloquente e romântico – como são os cenários de algumas pinturas. Depois do fim, aquelas pequenas figuras ainda têm muito a enfrentar.