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Eric Herrero o tenor e diretor artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro em entrevista exclusiva

 

O tenor e diretor artístico do Theatro Municipal do Rio de Janeiro Eric Herrero, me conquistou quando há duas semanas atrás precisamente um domingo fui assistir á ópera Carmem, no Municipal e fiquei emocionado com a interpretação de Eric Herrero, na construção de seu Dom José, um primor. 

Pedia uma entrevista com ela a assessora do Theatro Municipal Claudia Tisato e marcamos um encontro em sua sala. Percorrer o Theatro é uma quase aventura. Um passeio pela estrutura imponente a ao mesmo tempo quase familiar. Pessoas educadas, gentis e com muito orgulho de estar trabalhando naquele organismo vivo. 

Além de tenor Eric Herrero assumiu a diretoria artística do Theatro em 2022, e  conversamos um pouco sobre esse mundo tão fascinante do canto lírico e das escolhas do diretor artístico. Uma entrevista bem informal como a gente gosta. 

Me fala uma coisa Érick, como é que a música chegou até você?

Puxa vida! Essa é uma história longa! É o seguinte, desde muito pequeno eu ouvia os discos do meu avô, pois ele tinha discos de zarzuela, que é uma típica “opera” espanhola, e já dali comecei a tomar contato com essa coisa da vocalidade lírica.

Desde pequenininho, comecei a gostar de ópera também. Uma coisa levou a outra. Então a música, desde que eu me entendo por gente, faz parte da minha vida.

A sua família tinha um gosto musical, já?

 Tinha um gosto musical, minha mãe gostava muito de cantar. Meu avô, pai da minha mãe, era músico prático. Ele tocava violão autodidata, flauta transversal totalmente autodidata. Então a gente tinha uma cultura de se sentar juntos para ouvir músicas etc. e tal.

 E essa cultura sempre foi europeia ou tinha alguma coisa brasileira?

 Não. Tem muita coisa brasileira e latina. Eu gosto muito de tango, bolero, MPB… Fomos sempre muito ecléticos em casa.

Qual foi o ponto determinante que aconteceu para você decidir ser profissional do canto lírico?

Olha, eu sempre fui apaixonado pela ópera. A gente vem de uma família humilde. Então nós tínhamos que pagar as contas, sobreviver, etc. e tal. Mas, paralelamente a um trabalho que eu tinha, fui fazendo conservatório musical. Até para ver realmente se dava pé, se eu tinha condições de encarar isso como profissão. E no Conservatório Debussy, em São Paulo, eu via que realmente havia condições de ser um profissional da música.

Daí em diante, comecei a me inscrever em concursos de canto, e também em audições para papéis. E as coisas foram funcionando até que eu ganhei uma edição do Concurso Brasileiro Maria Callas que me abriu portas tanto no país quanto fora dele e acabei me profissionalizando. Então foi o resultado de uma busca, sobretudo o de uma busca do conhecimento na área.

Você é de São Paulo e você está há quanto tempo no Rio?

 Sou de São Paulo, sou paulistano da gema. Sou da Zona Leste, Vila Matilde. No Rio de Janeiro, em definitivo, desde 2017. Eu estreei na casa em 2009, e desde então sempre vim trabalhar bastante no Rio de Janeiro, em todas as temporadas praticamente. Mas em 2017 eu me mudei em definitivo para cá.

Você pensava em ter uma carreira internacional, no sentido de morar fora, ou você sempre optou em ter o Brasil como residência?

 Quando eu ganhei o Concurso Maria Callas, como eu te disse, isso abriu oportunidades fora do país. Comecei a fazer audições fora, concertos fora, óperas fora, até que teve um momento do falecimento da minha mãe, repentino. Aquilo foi muito impactante para mim, porque ninguém esperava isso. Eu estava fora do país. Não consegui passagem, infelizmente, para retornar a tempo, e eu não pude me despedir da minha mãe.

Infelizmente quando eu cheguei ao Brasil, cheguei em São Paulo, ela já tinha sido sepultada. Isso me marcou profundamente. E o meu pai, que até então tinha histórico de problemas cardíacos – e eu sou temporão, vim 12 anos depois do filho mais novo – ficou só. E eu me senti na obrigação de cuidar dele até o fim da vida e assim fiz. E não me arrependo, teria feito de novo. Isso fez com que eu deixasse os trabalhos fora do país, sobretudo na Europa.

Então trabalhei, e trabalho, muito pela América do Sul. Argentina, trabalhei, no Chile, no Uruguai, mas a perda da minha mãe, da forma como aconteceu, me impactou muito, me marcou muito, e optei por ficar no Brasil.

Qual o teu signo?

Eu sou de aquário. Sou do dia 9 de fevereiro.

E me fala uma coisa. Aqui no teatro, tá feliz?

Estou muito feliz! Tô muito feliz, sobretudo porque eu vejo um clima nos funcionários da casa, nos corpos artísticos, de alegria. Não foi o que eu encontrei no início uma grande dificuldade até por conta da pandemia, aqueles dois anos que massacraram a classe artística. A classe artística cultural do país, de uma forma sem precedentes. E quando eu cheguei, meu principal objetivo era mudar o clima da casa. Fazer com que a gente elevasse o moral da casa nesse sentido.

Com muitas dificuldades. Nós temos dificuldades, ainda temos muitos desafios, mas estamos conseguindo aos poucos fazer com que um clima melhor e de alegria seja mais constante e perene na casa. Nesse sentido, estou muito feliz, Quero e estamos todos aqui trabalhando por isso, ter mais óperas, mais balés e mais concertos para o Rio de Janeiro e para o Brasil.

 Como é que se deu a escolha da ópera Carmen

ES: A Carmen foi a seguinte. Ano passado nós fizemos uma versão em concerto, em duas apresentações. Ainda estávamos saindo dos números altos de covid. E as pessoas desde então mandaram muitas mensagens através das nossas redes socais e também do e-mail institucional do teatro pedindo que a gente aumentasse o número de apresentações.

A gente já tinha uma pauta muito apertada, não tínhamos como fazer aquilo, e continuamos recebendo ao longo da temporada e no início desse ano pedindo o título, pedindo o título, então nós resolvemos fazer a montagem da ópera. E aí nós decidimos fazer no período de aniversário do teatro, em julho. O teatro completou 114 anos nesta temporada. Mas, para isso, era importante que a gente tivesse três corpos artísticos juntos no palco. Então resolvemos resgatar uma tradição antiga, que é a do balé de quarto ato de Carmen, para que o BTM pudesse, junto com o coro e orquestra, estar no palco nesses 114 anos. E deu muito certo. As pessoas gostaram muito e eu acho que foi um grande acerto.

Eric Herrero
Eric Herrero em Carmem como Dom José

 

Eric Herrero em Carmem como Dom José

 

Como é que o personagem do “Dom José” pega você. Em que momento você sente que ele faz parte do teu repertório.

ES: Ele faz parte do meu repertório, em si, pela escrita. É um personagem que, apesar de ser um personagem difícil vocalmente, ele se adapta à minha voz. Eu consigo fazê-lo bem. De todos os personagens da ópera, ele é o mais difícil de todos sob o ponto de vista interpretativo, porque ele tem realmente um arco dramático. Ele começa muito jovial, tranquilo, e vai ganhando pouco a pouco esse peso dramático que dá uma grande dificuldade na hora da interpretação. Então nesse sentido, na minha opinião, é o personagem mais rico de todos. Os outros são mais lineares. Quem tem realmente um arco dramático é o Dom José. É super difícil interpretá-lo nesse sentido.

 Quero te dizer que você consegue fazer muito bem

 Muito obrigado. Obrigado, mesmo.

 E é muito tátil essa transformação e essas passagens dele. Você consegue perceber muito claramente não só na questão da música, né? Mas, principalmente, na questão da interpretação. Foi muito bem. Eu vi no domingo passado, não agora, na estreia, e fiquei muito impressionado.

Poxa, eu te agradeço muito!

 Não, tô falando sério…

 Obrigado, obrigado mesmo!

 Fiquei muito impressionado porque as pessoas que são do meu convívio acham Carmen uma ópera menor. Uma ópera popular. E eu acho que ser popular é incrível. Eu acho que esse é um grande papel dessa ópera. É ser popular. Ter músicas fáceis, que toquem o coração. Ela não tem personagens heroicos… São personagens, como você falou, lineares e a grande transformação está contido nesse personagem que você faz.

ES: Olha, sobre a questão de ser popular, eu acho o seguinte. Nós não estamos no momento de grandes aventuras porque nós estamos realmente num momento de reconstrução e de formação de um novo público de ópera. Sobretudo depois da pandemia, sabe? Como eu disse, foram dois anos muito complicados. Então nós temos apostado justamente, não só nas óperas, como nos balés, mas também quando eu desenvolvo a temporada de concertos em títulos mais conhecidos. Para que a gente possa mais uma vez formar um público e para que a partir dessa formação consolidada possamos experimentar e temperar com outros títulos que eu também adoro de paixão.

E o que está por vir agora neste segundo semestre sobre o teatro e do Érick.

(Risos) Sore o teatro, vamos falar sobre o teatro primeiro. Daqui a pouco a gente vai divulgar a temporada agosto-dezembro, que a gente chama de segundo semestre porque o primeiro vai sempre até quando vai o aniversário do teatro, que é em julho. Vem bastante ópera por aí. Vem bastante concerto por aí. Vem balés, óperas conhecidas, artistas que estão numa grande fase que vem para esse segundo semestre, maestros de peso… Então tem coisa muito boa que proximamente, muito proximamente, a gente vai divulgar de agosto a dezembro. Tem ópera, tem balé e tem concertos.

E o Érick?

 Ah, e o Érick (risos)? O Érick, além de continuar à frente da diretoria artística pensando na temporada oficial e do grande palco, como cantor o Érick foi convidado a fazer, finalmente, a sua estreia no Rio Grande do Sul, em novembro; porque – por incrível que pareça – em 20 anos de carreira eu nunca cantei no Rio Grande do Sul, na terra da Cláudia (Érick faz referência à Cláudia Tisato, assessora do Theatro Municipal do Rio, que estava acompanhando a entrevista), inclusive (risos), vou cantar Bruckner lá e depois, em dezembro, faço a nona sintonia de Beethoven em Minas Gerais, lá no Palácio das Artes. Fui convidado pela regente Lígia Amadio.

Eric Herrero

 

Eu senti na ópera, agora, nessa apresentação que eu estive, que havia uma grande… Um trabalho muito grande de equipe. Havia realmente um sentido de “vamos fazer”, vamos pegar essa argamassa e transformar em uma coisa bacana. Ao que você acha que se deve isso?

ES: O teatro, assim como uma grande corporação, depende de dois alicerces básicos, grosso modo dizendo. Processo e gente. Você não consegue sucesso se você tiver profissionais que são muito bons em processo, mas não são bons em gente. Quem lida com as pessoas, em tirar das pessoas aquilo que há de melhor delas, apesar de todas as diversidades. Então eu atribuo isso que você diz a um trabalho de gestão. Seja da presidência, seja da Secretaria de Cultura, seja da diretoria artística.

Nós temos profissionais da casa que lidam muito bem com processos e profissionais que lidam muito bem com gente, com pessoas, que estão abertas ao diálogo, que estão abertas com construção coletiva, uma construção horizontal. Não tem nada hoje na casa que é imposto goela abaixo. Tudo é muito dialogado. As nossas temporadas são conversadas com os regentes da casa. Nós chegamos a um acordo quanto a número de ensaios, quanto a peças que serão colocadas. Eu tenho as minhas vontades e minhas ideias no momento do desenho da temporada artística, mas elas são expostas e colocadas em diálogo com os regentes da casa.

A minha chegada com os corpos artísticos é muito boa porque desde 2009 conheço muitas pessoas, tenho muitos amigos na casa. Minha própria esposa é funcionária da casa. Então esse diálogo, olho no olho, faz a grande diferença. Então se a gente tem processo bem-feito e tem um trabalho com as pessoas de forma igualitária, olho no olho, isso faz com que todas as pessoas entendam que são parte dessa grande engrenagem e que cada peça precisa dar o seu melhor para que o relógio funcione, para que o relógio não atrase.

 Ok, muito obrigado

Cláudia Tisato – assessora do Theatro Municipal – (voz ao fundo): Tanto que as óperas estão lotadas, né? Não tem mais ingresso

Ai que delícia…

 Graças a Deus, desde a abertura no ano passado, em 2022, quando eu assumi, sempre nós tivemos casa cheia e muitas vezes nós tivemos sold out…

 Ah, que bom!

 Foi no concerto de abertura, foi assim em Lago do Cisne, foi em Barbeiro de Sevilha, depois em Don Quixote. Em concertos que nós tivemos. Esse ano, por exemplo, a segunda apresentação de Wagner, Berlioz, estava lotada. O concerto de abertura, que foi a Nona Sinfonia, estava lotado…

Então a gente tem tentado, e o público sobretudo tem entendido o momento pelo qual a cultura passa no país, num momento de renascimento, e tem nos dado como presente a sua presença. Tem justamente nos brindado com o seu grande abraço para o artista, que ficou tão carente nesse período de pandemia. E o grande abraço é justamente o seu aplauso, a sua presença…

Cláudia Tisato: O público também ficou carente, né?

 Ficou carente…

CT: Eles pedem coisas à diretoria: “Ah, a gente queria ver isso”. Eles estão sempre ligados.

 Exatamente.

 O Rio de Janeiro sempre teve um público muito importante e muito presente.

E fiel, né?

 E fiel ao teatro. Mas o que acontece é que dentro de todas essas mudanças, principalmente de gestão, foi terminando essa… Terminando, não, mas não teve uma renovação tão aplicada, como deveria ser.

 É.

 Então ele falou numa questão de resgate e isso tem que existir. Porque há uma formação contínua de plateia.

Exatamente. A partir do momento em que a gente notar que isso está consolidado, aí a gente explora também mais o repertório. Ainda não é o momento.

CT: E tem os artistas novos também. Isso também é importante.

 Exatamente

CT: Isso é um déficit…

Desde o ano passado a gente também tem dado oportunidades a artistas fazendo a sua estreia na temporada no teatro. Isso é muito gratificante. Só nessa Carmen são quatro cantores. Mas nós tivemos também em Piedade, a gente teve o Ricardo Gaio, que fez a sua estreia na casa. Tivemos o Jhonny, que fez o Euclides da Cunha também. Então a gente sempre busca dar oportunidades a novos artistas. Além da renovação do público, a gente precisa ter, e o teatro precisa ser vanguarda nesse sentido, de dar oportunidades para que pessoas possam desenvolver suas carreiras.  

O site só tem a agradecer a amabilidade com que foi recebido pelo Theatro Municipal e seu diretor artístico Eric Herrero