Jaime Lauriano “Aqui é o fim do mundo” no MAR
Exposição panorâmica da trajetória de quinze anos do artista nascido em São Paulo em 1985 reúne mais de 40 obras, dentre elas cinco criadas especialmente para a mostra. Jaime Lauriano é um dos expoentes do novo momento da arte brasileira, que repensa a história oficial do Brasil, e tem participado de importantes antologias a respeito. Ele já integrou oito exposições no MAR, uma delas como um dos curadores, junto com Flávio Gomes e Lilia Scwarcz.
É dele o calçamento em pedras portuguesas na entrada do Museu, em que estão gravados os nomes das doze regiões da África que forneceram, por meio de sequestros e outras ações violentas, a mão de obra escravizada levada ao Brasil. Essa instalação, chamada “A história do negro é uma felicidade guerreira”, foi feita em 2018, a convite dos curadores Nei Lopes, Evandro Salles, Clarissa Diniz e Marcelo Campos, para a exposição “O Rio do samba: resistência e reinvenção”, e deriva da série “Pedras Portuguesas” iniciada pelo artista em 2017.
“Aqui é o fim do mundo”, uma panorâmica dos quinze anos de trajetória do artista Jaime Lauriano (1985, São Paulo), com curadoria de Marcelo Campos e Amanda Bonan. A exposição reúne mais de 40 trabalhos, produzidos entre 2008 e 2023.
Cinco obras foram comissionadas especialmente para esta exposição, e são inéditas: as pinturas “Invasão da cidade do Rio de Janeiro” (2023), pintura, 130 x 180 x 2,5cm; “Na Bahia é São Jorge no Rio, São Sebastião” (2023), 120 x 140 x 2,5cm; as instalações “Afirmação do valor do homem brasileiro” (2023), 100 x 350 x 5cm e o vídeo “Justiça e barbárie #2” (2023).
A exposição integra a programação de dez anos do MAR. Outros trabalhos nunca mostrados antes são “E se o apedrejado fosse você? #3” (2021), desenho feito com pemba branca (giz usado em rituais de umbanda) e lápis dermatográfico sobre algodão; e o conjunto das três obras “Bandeirantes #1” (2019), Bandeirantes #2 (2019) e “Bandeirantes #3” (2022), miniaturas de 20cm de monumentos em homenagem aos bandeirantes, fundidas em latão e cartuchos de munições utilizadas pela Polícia Militar e pelas Forças Armadas brasileiras, sobre base construída de taipa de pilão.
Jaime Lauriano diz que é muito importante esta exposição para ele, porque “acontece no momento que eu percebo minha produção bem mais madura, com mais complexidade nos temas abordados e no uso de materiais”.
“É importante para mim reunir na mesma exposição tantos trabalhos, de períodos diferentes, e estou feliz e emocionado de apresentar também para o público e para as novas gerações de artistas este recorte, porque meu trabalho está muito interligado com o novo momento da arte brasileira, de revisitar sua história, pensar e fazer uma nova história do Brasil, e de mudança de protagonismo. Sou um artista que está intrinsecamente ligado com este movimento. Meus trabalhos fazem parte de grandes antologias sobre o pensamento dessas outras histórias do Brasil”, observa.
O artista conta que o que levou a trabalhar com arte foi o interesse em investigar, em primeira instância, sua história pessoal, “que é a história de meus ancestrais”. “Com o passar dos anos isso foi se tornando uma história social coletiva do Brasil, em que muitas pessoas tinham histórias semelhantes às minhas, dos excluídos e dos marginalizados socialmente. Daí assumi que eu precisava falar de minha história para que outras pessoas se identificassem com ela, e conseguissem elaborar seus próprios traumas, através dessa elaboração coletiva desse trauma chamado Brasil”.
Sobre sua primeira exposição panorâmica ser no MAR, ele diz: “O MAR apostou no meu trabalho ainda em 2015, mesmo ano em que a Pinacoteca do Estado de São Paulo também comprou uma obra minha. Mas diferentemente de outros museus, o MAR coleciona meu trabalho, acompanha minha trajetória, e é a coleção pública que mais tem trabalhos meus, com mais de obras. A importância de estar neste Museu é também a valorização deste acervo, de uma política de colecionismo, e minha primeira panorâmica não poderia estar em outro lugar que não o Museu de Arte do Rio”.
AQUI É O FIM DO MUNDO: NÚCLEOS E OBRAS
As obras de “Aqui é o fim do mundo” estão distribuídas em cinco núcleos: Experiencia Concreta, Colonização, Afirmação do valor do homem brasileiro, Recanto e Justiça e barbárie.
EXPERIÊNCIA CONCRETA reúne trabalhos em que a palavra “concreta” se refere tanto ao movimento da arte brasileira (concretismo e neoconcretismo) como também à realidade enfrentada pelos negros no Brasil. Estará o conjunto de três trabalhos feitos em 2019, com sacos de transporte de grãos, que abordam a triangulação atlântica do tráfico negreiro: “Experiência concreta #6 (triângulo atlântico)”, “Experiência concreta #7 (triângulo atlântico)” e “Experiência concreta #8,
cada um com 130cm x 100cm x 3cm. O MAM da Bahia tem uma edição deste conjunto.
Em “Experiência concreta #1 (diálogo de mãos)”, de 2017, a impressão de várias imagens retiradas de jornais digitais, catálogos de exposições e manuais de sobrevivência mostram corpos negros amarrados, emolduradas em uma caixa de compensado naval. “Experiência concreta #2 (diálogo de mãos), de 2017, pertencente ao MAR, estão várias cordas, de diferentes materiais, com a mesma moldura.
COLONIZAÇÃO traz a pintura inédita “Invasão da cidade do Rio de Janeiro” (2023) – uma das obras comissionadas para a exposição – em que Jaime Lauriano faz diversas intervenções com pinturas e colagens em uma reprodução da pintura de Antonio Firmino Monteiro (1855-1888) “Fundação da cidade do Rio de Janeiro”. Na obra de 130cm x 180cm x 2,5cm estão o canarinho pistola – mascote da seleção brasileira de futebol – em cima do Pão de Açúcar; a medalha de 1974 em homenagem à cidade da Guanabara, extinta em 1975, quando houve a fusão dos estados da Guanabara e do Rio de Janeiro; a gravura de Johann Moritz Rugendas (1802-1858) retratando um mercado de escravos na região do Valongo, no Rio de Janeiro, em 1835; e um Cruzeiro do Sul (estrelas que representam a Bahia, Rio, São Paulo, Espírito Santo e Minas) feito pelo artista com tiros com espingarda de chumbinho.
As obras “Colonização” (2016), composta por um pilão de madeira, pedras portuguesas e azeite de dendê; e “Tratado #2” (2015)“, um pelourinho, em madeira de cumaru de 2m de altura, que o artista içou e jogou sobre um espelho de 70 x 70cm – pertencem ao MAR.
Em “Colonização #2” (2022), um alguidar com 28 pedras portuguesas fundidas em latão repousa sobre um apoti – banco utilizado em terreiros de candomblé – coberto por uma esteira de palha taboa.
“E se o apedrejado fosse você? #3” (2021) faz parte do conjunto de desenhos criados por Jaime Lauriano desde 2015, em que usa pemba branca, giz usado nos rituais de umbanda sobre tecido de algodão preto, e refaz o mapa da história do Brasil. Em “Trabalho, 2017” (2017), um painel de 5m de comprimento e 2,5m de altura, o artista usa objetos que retratam a naturalização da escravidão no Brasil – calendários, camisetas, cartões-postais, cédulas de dinheiro, entre outros – e a lista de profissões com maior incidência de pessoas negras no Brasil, que são as de baixa remuneração, mão de obra braçal, e sem exigência intelectual. Estão ainda depoimentos que relatam o racismo estrutural no Brasil, e reproduções de obra dos pintores europeus que viajaram ao Brasil Johann Rugendas (1802 – 1858) e Henry Chamberlain (1796 -1844)
– AFIRMAÇÃO DO VALOR DO HOMEM BRASILEIRO tem ao todo 30 trabalhos, e abre com a instalação de parede, medindo 2,50m de altura por 3,5m de comprimento, “Afirmação do valor do homem brasileiro” (2023), composta por recortes de revistas brasileiras de 1970, durante o governo Médici, como a icônica reportagem de capa “Nestas esquerdas o Brasil confia”, da revista “Realidade”, com uma foto de Tostão, Gérson e Rivellino.
Da série de 20 bandeiras do Brasil desenvolvida pelo artista entre 2015 e 2021 estarão nove obras, confeccionadas em várias técnicas artesanais por diferentes pessoas em diversas cidades brasileiras, uma delas criada em tricô por sua própria mãe: “Bandeira nacional #4” (2016), “Bandeira nacional #5” (2016) – ambas integrantes da coleção do MAR – “Bandeira nacional #7” (2016), “Bandeira nacional #9” (2016), “Bandeira nacional #10” (2016), “Bandeira nacional #12” (2021), “Bandeira nacional #13” (2021), “Bandeira nacional #14” (2021), e “Bandeira nacional #15” (2021). As identificações de cada uma obedecerão às regras de fichas catalográficas da Biblioteca Nacional.
Pela primeira vez serão exibidas juntas as obras “Bandeirantes #1” (2019), “Bandeirantes #2” (2019), pertencente ao MAR – nunca mostrados antes – e “Bandeirantes #3” (2022), miniaturas de 20cm de monumentos em homenagem aos bandeirantes, fundidas em latão e cartuchos de munições utilizadas pela Polícia Militar e pelas Forças Armadas brasileiras, sobre base construída de taipa de pilão.
Da série “Brinquedo de furar moleton” (2018) – instalação com tijolos coloniais e miniaturas fundidas em latão e cartucho de munição recolhidos em zonas de conflitos armados em cidades brasileiras – estão 12 esculturas: “Tanque”, pertencente ao MAR, (Caravela), (Avião de guerra), (Base móvel), (Caveirão), (Helicóptero militar), (Porta aviões) e cinco viaturas da Polícia Militar.
A obra “Ocupação” (2022), em lápis dermatográfico sobre algodão vermelho, com 1,60m de altura e 3,10m de comprimento, traz palavras de ordem de movimentos sociais.
– RECANTO
Jaime Lauriano diz que cada trabalho deste núcleo “é uma oferenda para um orixá. Nelas podemos encontrar todos os elementos ritualísticos para louvar os orixás: plantas para tomar banho, cores paras as roupas, desenhos de invocação etc. São elementos para ser curado”.
A instalação “Iluminai os terreiros” (2022) – da música “Brasil pandeiro” (1941), de Assis Valente – cria um círculo, uma roda, com 14 apotis (os bancos de madeira usados em casas de umbanda e terreiros de candomblé) e esteiras de palha, onde o público poderá se sentar e se deitar, além de alguidares. A trilha sonora do trabalho é a sequência de entrevistas feitas pelo artista com lideranças negras do Rio e de São Paulo, de várias áreas. Ao longo da exposição Jaime Lauriano fará novas entrevistas, que serão incluídas na trilha.
Em “Felicidade guerreira” (2021) – título retirado da música “Zumbi, a felicidade guerreira” (1984), de Gilberto Gil e Wally Salomão, composta para o filme “Quilombo”, de Cacá Diegues – outro desenho da série feita com pemba branca sobre tecido de algodão preto – estão distribuídas no mapa do Brasil dez revoltas de negros escravizados, ocorridas antes e depois da Independência.
“Ele é dono do meu destino até o fim” (2022), em tinta acrílica, impressão com jato de tinta, contém miniaturas de chumbo, estampas e fita silver tape sobre mdf.
Já “Na Bahia é São Jorge no Rio, São Sebastião” (2023) obra comissionada para a exposição, Jaime Lauriano toma emprestado como referência a música de Toninho Geraes e a pintura de Heitor dos Prazeres para criar um panteão em homenagem aos orixás.
– JUSTIÇA E BARBÁRIE
Neste segmento estará o vídeo “Morte Súbita” (2014), 24’51, em looping, que tem como trilha sonora a voz de um narrador oficial do Estado de São Paulo, lendo os nomes de mortos e desaparecidos em 1970. O vídeo mostra a utilização feita pelo regime ditatorial da Copa de 1970, e será exibido em uma sala especial, em que a porta de entrada será coberta por um lambe-lambe de uma fotografia feita pelos policiais, durante a ditadura militar, em uma ação no Centro do Rio de repressão a manifestantes.
“O Brasil” (2014), com 19’, é outro vídeo deste núcleo, e resulta de dois anos de pesquisa do artista em arquivos oficiais. Dos 700 filmes de propaganda, em tom ufanista, feitos pelos governos da ditadura no período do AI-5 (1969 a 1974), ele selecionou 30. As imagens são entrecortadas por matérias de 31 de março e 1o de abril de 1964, e de 13 a 16 de dezembro de 1968. Na trilha sonora, o áudio de Auro de Moura Andrade, presidente do Congresso, decretando a vacância na presidência do Brasil, mesmo estando no país o então presidente João Goulart, e a leitura feita na televisão por Golbery do Couto e Silva, da promulgação do AI-5.
Outra obra pertencente a este núcleo é a serigrafia sobre flanela, 28 x 38cm, “Queime depois de ler” (2012), com a receita de um coquetel molotov.
Os vídeos “Sem título #1 (a casa)”, 2008, 1’38; e “Sem título #3 (a casa)”, 2010, 1’49, são resultantes da residência artística que Jaime Lauriano fez em 2007 na “cracolândia”, em São Paulo, em que registrou ações de “higienização” urbana do governo municipal. A trilha sonora é formada por propagandas de venda de imóveis.
“Justiça e barbárie #2” (2023) é um ensaio visual com imagens da invasão de Brasília feita no dia 8 de janeiro, mixadas com legendas retiradas da internet e de grupos de zap de bolsonaristas. A trilha sonora é de Gustavo Sarzi.
Fotos Marco Rodrigues
Jaime Lauriano “Aqui é o fim do mundo” no MAR
EXPOSIÇÕES NO MAR COM A PARTICIPAÇÃO DO ARTISTA
- “O Pixinguinha: um maestro batuta” (2022)
- “Coleção do MAR + A Enciclopédia negra” (2022), como um dos curadores, junto com Flávio Gomes e Lilia Schwarcz
- “O Rio dos Navegantes – Episódio 2” (2019)
- “O Rio do Samba: resistência e reinvenção da cultura do Rio de Janeiro” [2018 – 2019]
- “Quem não luta tá morto – arte democracia utopia” (2018)
- “A cor do Brasil” (2016)
- “Rio Setecentista” (2015)
- “Tatu: futebol, adversidade e cultura da caatinga” (2014)
Serviço:
Jaime Lauriano – Aqui é o fim do mundo
Museu de Arte do Rio Praça Mauá, Centro, Rio de Janeiro-RJ
21 3031-2741
A bilheteria do museu funciona de quinta-feira a domingo das 10h30 às 17h, sendo possível permanecer no Pavilhão de Exposições até às 18h.
Ingresso: R$20,00 (inteira) e R$10,00 (meia).
Agendar uma visita: agendamento@museudeartedorio.org.br ou +55 (21) 3031-2742.
Voltar para a Home AQUI