Poeta, artista e marchand lendário, Franco Terranova faria 100 anos em 9 de março próximo. Nascido em Nápoles, o estudante de literatura, que foi aviador na Segunda Guerra Mundial, veio para o Brasil em 1947. Encantado pelo personagem Zé Carioca, no icônico vídeo da Disney ambientado no Rio de Janeiro, foi nesta cidade que ele esteve à frente de um dos mais emblemáticos espaços de arte da história brasileira: a Petite Galerie, que agitou o circuito artístico de 1954 a 1988. Por breves períodos Terranova abriu filiais em São Paulo, na Avenida Paulista e depois na Rua Haddock Lobo, no início dos anos 1970, e ainda cuidou da programação da Galeria Arte Global, na Alameda Santos. “Sem demérito para os marchands, nunca vi Franco como um.
Ele é poeta, amigo, um homem de sensibilidade, para quem a arte não é simplesmente um negócio”, disse sobre ele Ferreira Gullar. Agora, em uma exposição de curta duração, na Danielian Galeria, será apresentado um recorte do legado da Petite Galerie, com mais de 150 trabalhos – desenhos, gravuras, pinturas e esculturas, de mais de 70 artistas, dando a dimensão de seu olhar acurado. Durante a exposição será realizado um leilão por Walter Rezende, em prol da conservação e manutenção do acervo de Franco Terranova.
A Danielian Galeria irá exibir, de 4 a 18 de março de 2023, a exposição “Uma Visão da Arte – Centenário de Franco Terranova e o legado da Petite Galerie”, em homenagem ao lendário poeta e marchand Franco Terranova (1923-2013), com um conjunto de mais de 150 obras, entre desenhos, gravuras, pinturas e esculturas de mais de 70 artistas que participaram de exposições individuais e coletivas na Petite Galerie, que entre 1954 a 1988 ocupou um lugar de destaque, muitas vezes pioneiro, no circuito brasileiro de arte, com a presença constante de artistas e intelectuais, como Ferreira Gullar, Mario Pedrosa, Millôr Fernandes e Rubem Braga. Franco Terranova completaria 100 anos, em 9 de março próximo.
A curadoria é de Paola Terranova – a caçula dos quatro filhos de Franco e Rossella Terranova, a bailarina e coreógrafa com quem ele foi casado de 1962 até sua morte – que está à frente do acervo da Petite Galerie, em um espaço na Lapa, e comenta que para esta exposição comemorativa foram restaurados mais de 80 trabalhos. “Franco Terranova era antes de tudo amigo dos artistas, um apaixonado pela arte, e pretendemos fazer uma exposição que retrate seu olhar ao mesmo tempo afiado e afetuoso”, diz.
Nos dias 14 e 15 de março de 2023, às 19h, será realizado um leilão em prol da manutenção do legado de Franco Terranova, apregoado por Walter Rezende, com apoio da Bolsa de Arte do Rio de Janeiro, no site Iarremate – https://www.iarremate.com.
DOAÇÃO DO ACERVO DOCUMENTAL PARA O IAC
Toda a parte documental relativa à Petite Galerie – milhares de itens como registros fotográficos, slides, convites, cartazes, artigos em jornais e revistas etc – está sendo doada para o Instituto de Arte Contemporânea de São Paulo (IAC), fundado por Raquel Arnaud, amiga e parceira de trabalho de Franco Terranova na Galeria Arte Global, em São Paulo. Após ser catalogado, este acervo ficará à disposição para pesquisadores e estudantes.
DIVERSIDADE E PIONEIRISMO
Foi grande o desafio de Paola Terranova para selecionar as obras para a exposição, pois a programação da Petite Galerie em mais de três décadas acompanhou a diversidade da arte brasileira, sem nunca ter um caráter fechado ou dogmático. Muitos artistas hoje consagrados fizeram sua primeira individual ali, da mesma forma que artistas de outros estados ou países expuseram pela primeira vez no Rio de Janeiro na Petite Galerie.
Inovador em vários aspectos – contratando artistas, promovendo salões, prêmios, leilões, vendas de obras a prazo e exposições de múltiplos, iniciativas arrojadas para a época – Franco Terranova era chamado carinhosamente pelo colecionador Gilberto Chateaubriand (1925-2022) de “o Marquês Terranova”, por sua gentileza e carisma. Ferreira Gullar (1930-2016) disse sobre ele: “Sem demérito para os marchands, nunca vi Franco como um. Ele é poeta, amigo, um homem de sensibilidade, para quem a arte não é simplesmente um negócio”.
O tamanho de sua importância no meio da arte pode ser medido pelo evento-performance “O eterno é efêmero”, em 1988, no encerramento do espaço em Ipanema, quando mais de 60 artistas vindos de todos os cantos do país pintaram, durante três dias e três noites, as paredes, as escadas e o mezanino da Petite Galerie, e depois cobriram tudo de tinta branca, encerrando assim um ciclo de 34 anos. O evento foi todo documentado em um vídeo de Teresa Cristina Rodrigues.
ARTISTAS COM OBRAS NA EXPOSIÇÃO
Os artistas com obras na exposição comemorativa na Danielian Galeria participaram da programação da Petite Galerie. São eles: Abelardo Zaluar (1924-1987), Adriano de Aquino (1946), Alexandre Dacosta (1959), Alfredo Volpi (1896 –1988), Amélia Toledo (1926-2017), Angelo de Aquino (1945-2007), Angelo Hodick (1945), Anna Maria Maiolino (1942), Antenor Lago (1950), Antonio Henrique Amaral (1935-2015), Antonio Manuel (1947), Arthur Barrio (1945), Avatar Moraes (1933-2011), Carlos Scliar (1920-2001), Carlos Vergara (1941), Cristina Salgado (1957), Darel (1924-2017), Dileny Campos (1942), Dionísio del Santo (1925-1999), Edival Ramosa (1940- 2015), Eduardo Paolozzi (1924 – 2005), Emeric Marcier (1916-1990), Enéas Valle (1951), Enrico Baj (1924 – 2003), François Morellet (1926-2016), Frank Stella (1936), Frans Frajcberg (1921-2017), Franz Weissmann (1911-2005), Gastão Manoel Henrique (1933), Glauco Rodrigues (1929- 2004), Iberê Camargo (1914-1994), Ivan Freitas (1932-2006), Hércules Barsotti (1914-2010), Jac Leirner (1961), José Resende (1945), Larry Rivers (1923 – 2002), Leda Catunda (1961), Lothar Charoux (1912-1987), Lucio Del Pezzo (1933-2020), Luiz Alphonsus (1948), Luiz Áquila (1943), Luiz Paulo Baravelli (1942), Luiz Pizarro (1958), Marcia Barrozo do Amaral, Maria do Carmo Secco (1933-2013), Maria Leontina (1917-1984), Mestre Vitalino (1909-1963), Milton Dacosta (1915-1988), Mira Schendel (1919-2018), Mô (Moacyr) Toledo (1953), Monica Barki (1956), Myra Landau (1926-2018), Roberto Magalhães (1940), Roberto Moriconi (1932-1993), Roy Lichtenstein (1923-1997), Rubens Gerchman (1942-2008), Sepp Baendereck (1920-1988), Sérgio Camargo (1930-1990), Sérgio Romagnolo (1957), Serpa Coutinho, Tarsila do Amaral (1886-1973), Tino Stefanoni (1937-3017), Tuneu (1948), Victor Vasarely (1905-1997), Waldemar Cordeiro (1925-1973), Waltercio Caldas (1946), Wanda Pimentel (1943-2019), Willys de Castro (1926-1988), Yara Tupynambá (1932) e Yvaral (Jean Pierre Vasarely), 1934-2002.
EX-VOTOS
A visão aberta e inquieta de Franco Terranova o levou a expor, em 1956, esculturas de Agnaldo dos Santos, assistente de Mário Cravo Jr, no ateliê dele em Salvador. Junto com Agnaldo dos Santos, Terranova realizou uma jornada histórica pelas cidades ribeirinhas ao São Francisco, durante longos meses, em busca de carrancas para expor em sua galeria. Mais tarde, Terranova passou a recolher, durante anos, ex-votos esculpidos e pintados, em sucessivas viagens pelo sertão nordestino. Esta coleção foi exposta em Milão, e um conjunto das esculturas foi doada ao Museu Nacional de Belas Artes e a Frans Krajcberg, em sua casa em Nova Viçosa, Bahia. Na exposição comemorativa de seu centenário, haverá exemplares desses ex-votos.
INCENTIVADOR DE ARTISTAS
De artistas oriundos dos chamados grupos operários – Núcleo Bernadelli, Grupo Santa Helena – e outros que começavam a aparecer nos anos 1930/40, e que, no início dos anos 1950 ainda eram, alguns deles, os melhores da arte brasileira: Pancetti, Dacosta, Bonadei, Volpi, Maria Leontina, Ione Saldanha. Prosseguiu expondo abstratos – informais e geométricos – como Arcangelo Ianelli, Iberê Camargo, Flávio Shiró e Tomie Ohtake, bem como concretos, neoconcretos e cinéticos: Abraham Palatnik, Sérgio Camargo, Aloísio Carvão, Dionísio Del Santo. Avançou pela pop-art e a Nova Figuração – Wesley Duke Lee, Roberto Magalhães, Wanda Pimentel, Siron Franco, Tomoshigue Kusuno, Maria do Carmo Secco – e pela arte conceitual que no Brasil, sempre teve uma dimensão política, como se pode ver na obra de Antonio Manuel e Cildo Meireles, e também poética, como Luiz Alphonsus.
A Petite Galerie promoveu as primeiras exposições no Rio de artistas de outros estados, como Volpi e Pedroso d’Horta, em 1955, Lothar Charoux e Wega Nery, em 1957, Willis de Castro e Hércules Barsotti, em 1962, Wesley Duke Lee, em 1964, Mira Schendel, em 1965, Samico e Avatar Moraes, em 1966, José Resende, Luiz Paulo Baravelli, Fajardo e Frederico Nasser, em 1969, José Roberto Aguilar, em 1969.
A Petite Galerie promoveu também as primeiras individuais de alguns notáveis artistas atuantes no Rio – já em 1956 expunha pinturas de Frans Krajcberg da série “Samambaias”, memória de sua demorada permanência na floresta de eucaliptos da Indústria Klabin, no Paraná. Em 1964 realiza a primeira individual de outro artista admirável, o escultor, pintor e desenhista José Pedrosa, e deu início em 1966, à revisão da obra de Ismael Nery (1900-1934), tirando de um ostracismo de anos a produção do grande pintor.
O baiano Rubem Valentim (1922-1991), que se transferira para o Rio de Janeiro em 1957, fez sua estréia no circuito carioca, em 1961, na Petite Galerie, com obras que, tendo como referencial a iconografia do candomblé, tangenciavam, com uma linguagem de Mário Carneiro, doublé de gravador formado em Paris e cineasta.
Terranova foi igualmente o responsável pelo lançamento de muitos artistas jovens, como o desenhista e escultor Gastão Manoel Henrique (1933), em 1962; Roberto Magalhães, Carlos Vergara, em plena ditadura, enterrando o “Brasil em Berço Esplêndido” nos portões da galeria. Antonio Manuel urinando em centenas de garrafas vazias de Coca-Cola, na presença de Mário Pedrosa e Frederico Morais.
Outros novos talentos surgiram: Jac Leirner reciclando dinheiro em grande arte; Frida Baranek, com suas pedras e seus ferros corroídos; Ernesto Neto, tensão/extensão do seu talento; Fernando Barata chegando de Paris; e Cristina Salgado e seus membros recortados, suas bocas sorrindo.
As mostras “Viva a Pintura”, em 1984, com obras de Luiz Áquila, Claudio Kupermann, Charles Watson, Jorge Guinle, Ivald Granato, Gerchman e Iberê Camargo, e “Encontros”, em 1985 – comemorativa do primeiro aniversário de morte de Maria Leontina – celebraram a pintura.
E antes de encerrar suas atividades, em 1988, já havia exposto diversos pintores e escultores da “Geração 80”, como Luiz Pizarro e Hidelbrando de Castro.
BREVE HISTÓRIA DA PETITE GALERIE
Em 1953, o escultor peruano de origem italiana, Mário Agostinelli (1915-2000), após ter vivido em Paris criou um pequeno espaço de arte na Avenida Atlântica, em Copacabana, ao lado do cinema Rian, entre as ruas Constante Ramos e Barão de Ipanema. Com 20 metros quadrados e apenas 1,80m de altura, o lugar foi batizado de La Petite Galerie, e foi ali que Franco Terranova começou sua trajetória na arte.
“Com o retorno de Agostinelli à Europa, em 1954, Franco Terranova assume a direção”, relatou o crítico Frederico Morais. A mostra inaugural deste novo momento foi de José Pancetti, em 1954. Naqueles tempos iniciais, para pagar o aluguel do espaço, Terranova trabalhou como estilista no departamento de “moda relax” das lojas Ducal, criado pelo fundador da rede de comércio de roupas masculinas, José Carvalho (1920-1973), que acabou por se tornar sócio do marchand, junto com José Luiz Magalhães Lins (1929-2023), dono do Banco Sotto Mayor. Surgiu então a Petite Galerie (sem o “La”), instalada em 1960 na Praça General Osório, 53, em Ipanema, com projeto arquitetônico de Sérgio Bernardes (1919-2002), inaugurada com uma exposição de Alberto da Veiga Guignard (1896–1962).
Durante dez anos, foram realizados ali salões, prêmios, leilões, vendas de obras a prazo e exposições de múltiplos, iniciativas arrojadas para a época, bem como os contratos de exclusividade com Milton Dacosta, Maria Leontina, Di Cavalcanti, Guignard (que inaugurou a nova sede), Rubem Valentim, Glauco Rodrigues, Marcelo Grassmann, Scliar, Darel, Marcier e Gastão Manoel Henrique. Frederico Morais escreveu em 1996 que “a Petite Galerie ilustra, com perfeição, estas relações entre mercado de arte e o desenvolvimento econômico, social e cultural da cidade. Sem dúvida, foi a primeira a introduzir técnicas de marketing cultural, bem como o agenciamento de artistas, ela inaugurou, de fato, uma nova etapa do mercado de arte do país. Mais: a história de suas realizações ao longo de três décadas, foi a exata expressão da personalidade culta e participante de Franco Terranova, que atuou de forma dinâmica e inteligente na modernização do mercado de arte brasileira”.
Em 1970, Franco Terranova transferiu a Petite Galerie para um local próximo, na Rua Barão da Torre, 220, deixando o antigo espaço com um novo nome criado por ele – Bolsa de Arte – para seu sócio “e melhor amigo”, José Carvalho. Mais tarde, Rossella Terranova instalou seu Petit Studio nos fundos da galeria, onde realizou diversos espetáculos, alguns em praça pública, com cenários e figurinos de Hidelbrando de Castro. , e movimento em mutações.
Por duas vezes, e por breves períodos, Terranova abriu filiais em São Paulo: na Avenida Paulista, 1731, gerenciada por Pedro Manuel Gismondi, seu antigo sócio no Rio, e na Rua Haddock Lobo. Além disso, em 1973, ele ajudou a fundar a Galeria Arte Global, da Rede Globo de Televisão, na Alameda Santos, onde desenvolveu um bem recebido programa de exposições, acompanhadas de catálogos desenhados por Fernando Lemos.
POESIAS
Franco Terranova publicou diversos livros de poesias, e em “Livrobjeto: projeto sombras autobiografia inventada” (2012, Réptil Editora), seus poemas foram acompanhados de imagens de obras de 73 artistas, como Abraham Palatnik, Anna Bella Geiger, Antonio Dias, Antonio Henrique Amaral, Frans Krajcberg, Maria Bononi, Millôr Fernandes, Rubem Grilo, Samico, Siron Franco, Waltercio Caldas e Wesley Duke Lee.
Outros livros foram “Fábulas novas” (2010, 7Letras); “O Retorno: equação irracional poética sobre o despertar de um dia” (Nova Fronteira, 2003); “Trilogia do Vento: Assassinato em Primeiro Grau em Ipanema, 1001 Noites no Carandiru e Diário (1895 – 1995)” (Nova Fronteira, 2001); “Lúcida Lâmina” (Massao Ohno, 1991); “Memórias / Rumores” (Massao Ohno, 1988); “Palavraspoesia” (Anima, 1986); “Palavrausência” (1977, Editora Ultra-Set); e “O Girassol” (Artenova, 1973),.
Sobre ele Ferreira Gullar escreveu: “Costumo dizer que, como a arte, a poesia não nos revela a realidade, e sim, a inventa. Estes poemas de Franco Terranova vêm comprovar essa minha tese”.
SERVIÇO: Exposição “Uma Visão da Arte – Centenário de Franco Terranova e o legado da Petite Galerie”
Abertura: 4 de março de 2023, às 16h
Até: 18 de março de 2023
Danielian Galeria, Gávea, Rio de Janeiro
Rua Major Rubens Vaz, 414, Gávea, Rio de Janeiro, CEP 22470-070
Segunda a sexta-feira, de 11 às 19h
Sábado de 11h às 17h
Entrada gratuita
Telefones: +5521.2522.4796 +5521.98830.3525
Email:contato@danielian.com.br
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