Galeria homenageia um dos maiores nomes da arte contemporânea internacional
Mostra reúne gravuras e objetos, e resgata desenhos pouco conhecidos pelo público produzidos nas décadas de 1960, 1970 e 1980

Anita Schwartz Galeria de Arte anuncia Cildo Meireles: percurso e presença, uma homenagem ao maior expoente da arte conceitual brasileira. A mostra — a ser inaugurada no dia 4 de junho, às 19h — resgata uma seleção de desenhos produzidos nas décadas de 1960, 1970 e 1980; e gravuras de 2009 inspiradas em desenhos da década de 1960. Além das obras gráficas, foram reunidos alguns objetos em pequena escala, elementos de instalações simbólicas de sua produção no plano tridimensional.
“A exposição destaca uma vertente menos conhecida, mas de grande relevância no processo criativo do artista. A prática do desenho permeia a produção do Cildo desde a infância e desempenhou um importante papel em sua trajetória. E lá se vão mais de seis décadas”, observa Cecília Fortes, consultora artística da galeria.
Fotos Cristina Granato

Desenhar viria a ser uma forma de expressão e reflexão, um meio para detalhamento de ideias e, também, principal fonte de receita do artista carioca até quase 1990. A venda de desenhos para amigos e colecionadores possibilitou que Cildo se dedicasse à carreira artística e realizasse projetos mais complexos, pelos quais se tornaria mundialmente conhecido.
“O desenho é a primeira percepção visual. Numa segunda etapa é preciso voltar ao desenho, detalhar. Ele acompanha esse processo de detalhamento de uma ideia. Mas sua função é captar essa coisa que passou como um relâmpago, que ainda não tem forma, cor, tamanho.” (Cildo Meireles, em entrevista publicada no catálogo da exposição “Algum desenho [1963-2005]”, editado pelo CCBB-RJ, em 2005).

Em entrevista ao crítico Frederico Morais, ele conta que aos nove anos de idade, morando em Belém do Pará, ganhou alguns trocados na escola vendendo desenhos. Após mudar-se para Brasília, já na escola secundária, seguiu praticando. Foi a forma que encontrou de estar mais perto do real e mostrar aos colegas a sua forma de pensar. Em 1963, aos 15, passou a frequentar o Ateliê Livre da Fundação Cultural do Distrito Federal, dirigido pelo artista peruano Felix Alejandro Barrenechea. Lá exercitou o desenho de observação e com modelo vivo. Na mesma época, ingressou no curso de cinema do CIEM, escola experimental, vinculada à Universidade de Brasília.
Foi nessa ocasião que passou pela cidade uma exposição do acervo de arte africana da Universidade de Dakar, no Senegal, reunindo esculturas e máscaras. A mostra exerceu forte influência na formação do artista, que se sentiu estimulado a enfrentar qualquer superfície com o intuito de resolver o problema da representação, a figura transportada para outro plano. Em 1964, momento de grande adversidade no país com o início ditadura militar, o curso de arte da Fundação Cultural foi fechado, mas Cildo continuou frequentando o ateliê de Barrenechea. Desde então, a prática do desenho o acompanha, e lá se vão mais de seis décadas.
Entre as obras selecionadas para a mostra na Anita Schwartz estão desenhos livres de diferentes temáticas e formatos: alguns inspirados nas máscaras africanas mencionadas anteriormente; outros, seguindo uma linguagem narrativa com nichos alusivos aos de histórias em quadrinho, com situações que se desenvolvem de forma arbitrária. Há também composições abstratas com predominância da cor, desenhos que misturam pinceladas arredondadas e tracejados evocando situações de dor e violência e, ainda, cenas específicas guardadas na memória do artista.

A galeria contou com a colaboração de Antônio Carlos Barreto na captação de obras como a emblemática série Espaços Virtuais: Cantos, iniciada como desenho em 1967, é exibida em forma de gravura. Nela, o artista analisa o fenômeno da perspectiva e virtualidade através do módulo euclidiano de espaço (três planos de projeção frontal, lateral e horizontal), e seus desdobramentos Volumes Virtuais e Ocupações, constituídos de linhas e dois ou três planos de suporte que, partindo da parede, criam ambiguidades espaciais. Além dos desenhos e gravuras, são apresentados múltiplos colecionáveis — muitos fazem alusão às suas grandiosas instalações.
Camelô remete às memórias de infância do artista, que costumava frequentar o centro da cidade do Rio de Janeiro com seu pai. Na ocasião, ele observava a presença de camelôs vendendo objetos muito simples como alfinetes, barbatanas de camisa e marionetes de papelão e plástico. Aquela situação o intrigava, como aquelas pessoas podiam sobreviver vendendo itens tão insignificantes? Anos depois, dessa lembrança surgiria o múltiplo Camelô, ou vendedor ambulante, que vende palhetas de colarinho em uma mesa e alfinetes marcados com as iniciais do artista na outra.
Dados é a primeira obra da série Objetos semânticos, de 1970, na qual o artista apresenta trabalhos em que objeto e título estabelecem uma relação de significados e ressignificados, jogando com paradoxos, ironias e contrassensos. Os diferentes sentidos da palavra se confrontam com o objeto, criando fricções entre aquilo que se imaginava entendido e o que se apresenta.






Esfera invisível trata de uma existência constituída de inexistências e sugere a presença de uma forma que se dá pela ausência da matéria. No espaço interior de um cubo aparentemente maciço de alumínio, dois hemisférios côncavos de igual medida se encontram, criando um espaço vazio no formato de esfera. Configura-se então a ideia de uma esfera que só existe na imaginação do espectador. Tais faces recortadas só podem ser vistas quando o cubo é aberto, momento em que as partes se separam e a esfera invisível deixa de existir.
Fiat Lux faz referência a instalação O Sermão da montanha: Fiat Lux, apresentada por Cildo uma única vez em 1979, por apenas 24 horas, na Galeria Candido Mendes, no Rio de Janeiro. A obra, que suscitava a atmosfera de medo e violência do período da ditadura militar, consistia num grande bloco composto por 126.000 caixas de fósforo da marca Fiat Lux, instalado no centro da sala, rodeado por oito espelhos com frases retiradas do texto bíblico Sermão da Montanha: capítulo 5, do Evangelho de São Matheus, versículos 3 a 12.
Em torno do bloco central, atores contratados simulando policiais à paisana circulavam pelo espaço, vigiando a obra. O chão da sala foi coberto por lixas pretas que amplificavam o som dos passos de quem circulava, contribuindo para a atmosfera de tensão gerada pela possibilidade de explosão da instalação.
O múltiplo Glove Trotter, impressão digital em placa de aço inoxidável, traz um registro da obra original de mesmo nome: a instalação Glove Trotter, 1991, na qual esferas de diferentes tamanhos, cores e materiais coletadas pelo artista ao longo dos anos, são dispostas sobre um tablado e cobertas por uma malha metálica, como as que protegiam os corpos em lutas na Idade Média, unificando o conjunto numa paisagem lunar.
O título cria um jogo de palavras entre a expressão “globe trotter” (indivíduo que viaja pelo globo constantemente) e a palavra “glove” (luva, em inglês), referência ao material que encobre as esferas e impede seu deslocamento. A concepção da obra parte de questões clássicas da escultura, como volume, peso e gravidade, incorporando também referências de outros contextos, como da geografia e da astronomia.
OVOS – versão I – 1ª edição (1970-2018) é um múltiplo produzido para a celebração dos 70 anos do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Desde o final da década de 1970, Cildo Meireles se apropria de sistemas de medida para subvertê-los. O artista percebeu que os sistemas de medida criam identidade entre os membros de grandes coletividades, que os utilizam como padrão comum. Ao subverter tais sistemas e padrões, ele instiga a reflexão sobre as convenções que nos unem enquanto comunidade.
Em OVOS, seis objetos que imitam ovos ganham pesos diferentes, criando um estranhamento para quem os manipula, pois se espera que ovos semelhantes tenham pesos semelhante. O mesmo estranhamento suscitado pela grande instalação Eureka/ Blindhotland, 1970-75, na qual Cildo joga com questões como peso e volume de objetos distorcendo os sentidos do observador.
Por fim, são exibidos um relógio e um conjunto de quatro trenas de madeira, objetos componentes da grandiosa instalação Fontes, 1989-1992 que subverte as convenções humanas de medidas de tempo e espaço. Na obra completa, trenas de madeira com diferentes unidades de medidas são justapostas ao centro da sala, algumas seguindo o sistema métrico decimal e outras o sistema de polegadas, enquanto relógios de igual tamanho, porém com posicionamento e intervalos irregulares dos algoritmos indicativos das horas ocupam as paredes, com números caídos ao chão, criando um paradoxal agrupamento de objetos de igual tamanho e formato, mas que apresentam medidas diferentes.
Mais sobre o artista
Cildo Meireles nasceu no Rio de Janeiro, em 1948, onde vive e trabalha. Estudou com o artista peruano Félix Barrenechea em Brasília (1963) e na Escola Nacional de Belas-Artes (1968), Rio de Janeiro.
Realiza sua primeira individual (1967) no Museu de Arte Moderna da Bahia. De 1971 a 1973, vive em Nova York, onde havia participado da exposição Information, no MoMA, em 1970. Em 1975, foi um dos fundadores da Revista Malasartes.
Entre outras, realiza exposições no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Brasil), 1975; Pinacoteca de São Paulo (Brasil), 1978/2006; Magiciens de la Terre, Pompidou/La Villette (França), 1989; Institut Valenciá D´Art Modern – IVAM (Espanha), 1995; New Museum, NY (EUA), 1999; Institute of Contemporary Art, Boston (EUA); Museu de Arte Moderna de São Paulo e Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Brasil), 2000; Tate Modern em Londres (Inglaterra), 2008, posteriormente apresentada no MACBA, Barcelona (Espanha) e MUAC, Cidade do México (México), 2009.
Centro de Arte Reina Sofia, Palácio de Velazquez, Madri (Espanha), 2013, posteriormente apresentada no Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Porto (Portugal) 2013-2014, Pirelli Hangar Bicocca, em Milão (Itália), 2014; National Center for Contemporary Art Cerrillos, Santiago, (Chile), 2019; SESC Pompéia, São Paulo (Brasil). Participa de várias bienais, entre outras: Veneza (Itália) em 1976/2003/2005 e 2009; Sydney (Austrália), 1984; São Paulo (Brasil), 1981/1998 e 2010 e Documenta de Kassel (Alemanha), 1992 e 2002.
Em 2008, recebeu o 7º Prêmio Velázquez de Artes Plásticas em reconhecimento à sua trajetória artística.
Sobre a Anita Schwartz Galeria de Arte
Desde meados dos anos 80, Anita Schwartz participa ativamente na construção e consolidação da carreira de artistas com produções atemporais, apoiando no desenvolvimento profissional e na projeção e reconhecimento de suas poéticas, através de parcerias com galerias, museus e instituições culturais internacionais e da participação nas principais feiras de arte contemporânea.
Em 1998 Anita Schwartz inaugura a galeria de arte contemporânea que levará seu nome. No ano de 2008, é transferida para novo espaço com projeto assinado pelo escritório Cadas Arquitetura, tornando-se a galeria pioneira no Brasil com edifício sede especialmente planejado. Com aproximadamente 700 m² de área distribuídos em três andares, oferece salão principal de 110 m² e pé direito de 7,2 m para receber grandes mostras, instalações e projetos especiais. No segundo andar, uma sala de exposições de 60 m² e terraço com um container destinado a videoinstalações, que comporta até 20 espectadores.
SERVIÇO:
CILDO MEIRELES: PERCURSO E PRESENÇA
Abertura: 4 de junho de 2025, às 19h
Encerramento: 5 de julho de 2025
Anita Schwartz Galeria de Arte
- José Roberto Macedo Soares, 30 – Gávea
Tel: (21) 2540-6446 | (21) 99603-0435
Website: https://www.anitaschwartz.com.br/
Instagram: @galeria_anitaschwartz
Visitação: segunda a sexta, 10h às 19h; sábado, 12h às 18h