Francisca Libertad estreia na ficção com um romance autobiográfico sobre desejo, transgressão e amadurecimento feminino em um Rio de Janeiro dividido por fronteiras visíveis e invisíveis

Nos anos 1990, enquanto os bailes funks agitavam as massas e o tráfico se espalhava pelos morros cariocas, Dora, uma adolescente de 15 anos, começa a transgredir o mundo burguês onde cresceu. Criada em Santa Teresa, ela passa a frequentar a favela do Pereira em busca de adrenalina, batidão e “um baseado fácil”. Ao se envolver com Léo, temido gerente do tráfico local, mais conhecido como Samurai, Dora cruza a fronteira entre o asfalto e o morro, a segurança e o risco, a infância e a vida adulta.
Em Se acaso numa curva (DarkSide Books), Francisca Libertad estreia na literatura com uma autoficção e atravessa territórios geográficos, sociais e afetivos. Inspirada em episódios reais de sua juventude, a autora oferece um retrato da adolescência sob a perspectiva feminina, dando início a uma trilogia autobiográfica que investiga três etapas da vida de uma mulher de trajetória marcada por rupturas e recomeços.
O livro é um romance de formação sinuoso que traz a história de uma adolescente de classe média alta com fome de mundo que se apaixona por um traficante na era da ascensão do funk e das facções do tráfico carioca. Se obras como Cidade de Deus, Tropa de Elite e a série DOM construíram um imaginário sobre o Rio de Janeiro do tráfico e da juventude em perigo a partir da ação e da violência, Se acaso numa curva desloca o foco. A narrativa aqui é conduzida pela libido, a experiência do corpo e questionamentos íntimos. O mergulho psicológico se dá na travessia de uma menina virando mulher.
“Morei em quatro países, seis cidades, cinco casamentos, já recomecei do zero algumas vezes. Outro dia contei quantas versões de mim já vivi e cheguei à conclusão que até agora foram sete.”, revela Francisca.
Neste primeiro volume da trilogia, Francisca apresenta a jovem Dora, uma personagem vibrante e cheia de contradições. Sua rebeldia nasce do conflito com a mãe e se transforma em impulso vital. “Comecei a escrever com a sensação de estar lembrando de algo que nunca soube direito. De que a memória não é uma linha, mas uma curva, uma dobra”, diz a autora.
Roteirista e diretora (Assistente de Direção) de cinema e televisão, com passagens pela TV Globo e por projetos audiovisuais em Hollywood, onde morou por dez anos, Francisca traz para a literatura uma escrita ágil, marcada por cortes secos, realismo cru e diálogos cinematográficos. Sua linguagem é direta, mas marcada por nuances, com sequências que avançam e recuam, como flashes de lembrança em um storyboard proseado.
O embrião do romance foi escrito em inglês, quando Francisca cursou o UCLA Writer’s Program. Anos depois, ela traduziu o original para o português e recriou a obra publicada, recentemente, pela DarkSide. “Quando escrevi a primeira versão usei a Dora para esconder meus absurdos. Uma protagonista com outro nome me deu liberdade para dissecar os eventos sem me sentir julgada.”, avalia.
Longe de glamourizar o relacionamento com Samurai, Dora se angustiava com a crueza do líder de facção. Ao seu lado, era um cara legal, sensível e divertido. Isso tornava ainda mais difícil entender o teor das maldades que ele era capaz de cometer. Como separar uma coisa da outra? Como compreender esses dois lados tão paradoxais? As perguntas de Dora se revelam as mesmas que a autora faz a si hoje.
A relação com sua mãe revela um contraponto. Moderna, exuberante e independente, Vera é também um desafio para a menina que se torna mulher. “O livro fala desse entendimento, que acaba se estendendo a quem a Dora vai se tornando ao longo dos outros dois livros da trilogia. Em quem eu me tornei”, explica Francisca.
Com o segundo livro em fase de revisão e o terceiro sendo escrito, a trilogia investiga rupturas distintas ao longo da vida. Em comum, carregam uma ética íntima — a crença de que escrever sobre si não é se confessar, mas criar linguagem com a própria história.
Francisca traz ecos de Annie Ernaux, Valérie Mréjen e Carla Bessa, e assume uma voz ao mesmo tempo delicada e feroz. “Nesse sentido, assim como ‘Dom’ e ‘Tropa de Elite’, e utilizando a definição de Annie Ernaux, eu diria ser uma (auto)-sociobiografia por retratar, mesmo que como pano de fundo, a estrutura de um sistema social que vai muito além da trama da protagonista.”, conclui.

Sobre a Autora:
Francisca Libertad, carioca, começou a carreira como atriz de teatro, depois se mudou para a Califórnia, onde ingressou na indústria de audiovisual como assistente de direção em Hollywood por quase uma década. Em paralelo, estudou no UCLA Writer’s Program, onde escreveu em inglês seu primeiro longa e um romance, Black or White, embrião para Se acaso numa curva. Em 2012, retornou ao Brasil para trabalhar como assistente de direção na Rede Globo, onde participou de nove novelas, enquanto desenvolvia seus projetos pessoais de escrita e direção. Atualmente, está desenvolvendo séries de ficção para canais de streaming, revisando seu segundo livro e escrevendo o terceiro.
Ficha Técnica:
Título: Se acaso numa curva
Autora: Francisca Libertad
Gênero: Romance
Editora: DarkSide
Impresso: R$ 79,90
Número de páginas: 256
Voltar para a home aqui