O artista Guilherme Dable é um cara muito sensível. Formação técnica avançada e muitas questões que permeiam sua estética e e seu modo de pensar a arte. Uma cabeça diversa que em um momento focou na pintura seus inúmeros talentos. Mora em Porto Alegre, mas seus trabalhos rodam pelo Brasil o que mostra que seu trabalho atinge muitas cabeças pensantes. Conversamos um pouco a muitos anos na galeria da Luciana Conde. Hoje não existe mais. Uma pena! Um lugar muito agradável e cheio de boas intenções. Guilherme Dable trabalha com várias galerias importantes no país e na SP-Arte Online está na Roberto Alban Galeria e na Eduardo Fernandes Galeria.
1) Quando você começou a fazer Arte?
Minha trajetória começou em 2006, em Porto Alegre, quando eu e outros colegas que tinham em comum passagens pelo Instituto de Artes da UFRGS criamos o Atelier Subterrânea, misto de nosso espaço de trabalho e espaço expositivo que teve uma atuação intensa e divertidíssima até 2015.
2 ) A educação artística na escola foi importante para você?
Na formação escolar? Poderia ter sido muito melhor, infelizmente a parte relacionada ao sensível é cada vez mais abandonada pelo currículo escolar. Na adolescência meu interesse era a música, eu estava na função de ter bandas, o desenho foi reaparecer perto dos meus 30 anos, quando eu deixei a banda que eu tocava, a Tom Bloch. Por outro lado, a formação na universidade, com todas as suas questões, foi muito importante sim. O Charles Watson é outra figura que foi e ainda é muito importante pra mim. Mas a formação nunca termina, cada encontro é um ensinamento novo.
3) A evolução do seu trabalho fez você abdicar de alguma outra atividade que você gosta?
Eu não consigo me dedicar a tocar baixo como gostaria. Mas a evolução do meu trabalho me possibilitou abdicar de muitas atividades que eu não gostava.
4) A utilização desse tempo foi acontecendo ou veio de uma decisão radical?
Durante a graduação [eu entrei na universidade aos 30 anos] eu trabalhava como designer e ilustrador. Teve um momento em que eu percebi que, toda vez que eu colocava alguma energia extra no trabalho do ateliê, algo acontecia: eu vendia um trabalho, aparecia um convite pra exposição, algo assim. Aí chegou um momento onde eu resolvi abraçar isso. A ideia era trabalhar com desenho, eu não imaginava que poderia ter uma carreira como artista visual. Nos seis anos entre graduação e mestrado, eu ainda fazia eventuais trabalhos fora do campo das artes – de design gráfico a ter um programa diário em uma FM, em Porto Alegre. Mas no final do mestrado resolvi que iria me dedicar 100% ao ateliê, que é o que acontece até hoje, seja no desenho, na pintura, ou nas aulas. É tudo no mesmo espaço.
5) O seu confronto com a tela vazia como se desenvolve?
Tem vezes que eu parto de algum desenho, alguma anotação de referência minha. Fragmentos de observação que coleciono nos cadernos. Atualmente tenho começado por campos de cor e tentado articular a partir da cor como estrutura.
6) Quais são as técnicas que você gosta de usar?
Eu trabalho com tinta acrílica – meu ateliê é dentro de casa e não tem separação com o resto da casa. A vontade de usar óleo é grande [e isso vai acontecer em breve], mas preciso achar uma maneira de não contaminar a casa com a sujeira do material, e de convencer minha companheira a suportar o cheiro de óleo e solvente na hora do café.
7) Suas referências são mais acontecem no mundo exterior onde mais você busca inspiração?
Eu gostava de sair para caminhar pela cidade, o que não tenho mais feito. Leio muita poesia no ateliê, consumo bastante literatura e, claro, tenho os meus heróis entre os artistas. Mas a pandemia mudou um bocado esse processo também. A ansiedade constante tornou algumas leituras mais difíceis de manter por conta de uma dificuldade em concentrar na leitura. Tem dias que passo em um silêncio total trabalhando, outros que é preciso colocar música o dia todo pra descarregar o peso do isolamento.
8) Nessa pandemia o que te mais te preocupa?
A postura negacionista e irresponsável do governo federal.
9) Quais são suas expectativas para o quem por aí?
Estou tentando não pensar muito nisso. Acho que no macro, as perspectivas são bastante sombrias. Mas acredito que pequenas mudanças são sustentáveis e é a partir disso que eu tento pensar que há, sim, espaços para aberturas de luz. Há muitas pequenas redes surgindo, e é nesse tipo de iniciativa que eu acredito.
10) Você faz planos para futuro ou vive muito o presente?
Até março, eu fazia. Coloquei tudo em suspenso até o final do ano, pelo menos. Profissionalmente, há projetos de exposições que estavam em andamento, e que irão acontecer, provavelmente no ano que vem. Há a conclusão do doutorado em 2022. E criar uma criança é, ao mesmo tempo, um plano de futuro e uma maneira bastante radical de experienciar o agora.
Fala um pouco da sua mudança para Porto Alegre??
Eu sempre vivi aqui. Uma cidade menor como Porto Alegre tem suas vantagens. O custo de vida é mais baixo, a possibilidade de espaços mais generosos para morar e trabalhar com um custo menor – até o tédio de uma vida cultural menos movimentada ajuda na hora de se concentrar no trabalho. Por outro lado, fica-se mais isolado do circuito artístico, se é menos lembrado, as trocas são um pouco mais difíceis, mas é parte do jogo de escolhas e renúncias.
O Rio foi – e ainda é – um lugar de trabalho e muitos amigos queridos, muitas conversas que sempre ecoaram longamente em mim. Alguns dos momentos mais significativos da minha carreira aconteceram aí, tanto das conquistas como das decepções. Eu sinto muita falta de estar aí. A tecnologia pode até ter me colocado ainda mais próximo de algumas pessoas importantes para mim aí do Rio durante a pandemia, mas é muita coisa que as telas não dão conta. Eu penso no Rio e lembro que, pra mim, cada bairro tem um cheiro diferente. Eu sinto falta de coisas como isso, é esquisito.