O ator Ariclenes Barroso estava vibrando com a estreia de seu filme mais recente, “Fim de Festa”. Mas, logo na semana de estreia, os cinemas foram fechados por conta da pandemia.

“Fim de Festa” é o décimo segundo filme desse ator que vem trilhando uma carreira de grandes performances no cinema. Foi o irresistível Soldado Gusmão em “Tatuagem”, do diretor Hilton Lacerda, o mesmo de “Fim de Festa”; o melancólico Palito em “Se Deus vier que venha armado”; e o ambicioso Júnior, o jogador de futebol do filme “Aspirantes”, do diretor Ives Rosenfeld, que lhe valeu o prêmio de Melhor Ator, do Festival do Rio em 2015.

A empreendedora Walkiria Barbosa, diretora do Festival do Rio, é fã do ator. “Quando ganhou o melhor ator, em 2015, ele disputou o prêmio com muitos atores veteranos e chamou atenção do júri porque estava no festival com dois filmes maravilhosos: “Aspirantes” e “Jonas”. E ele arrasou nos dois papeis”.

Ariclenes Barroso é cria de Zé Celso Martinez Corrêa, que o lançou no teatro quando o rapaz tinha apenas dez anos de idade. Com o Teatro Oficina de Zè Celso, o ator fez espetáculos memoráveis como “Os Sertões”, “As Bacantes” e “O Banquete”. O diretor ainda lhe deu o papel de um garoto japonês protagonista da peça “Taniko, o rito do vale”.

Enquanto aguarda a vida voltar ao normal, ele curte a quarentena ao lado da mulher e da filha. E aproveitou um pouco do seu tempo livre para conversar com a gente.

1 – Como está sendo a sua quarentena? Está conseguindo conviver bem com o isolamento?  
Estou muito bem, fazendo o possível para não sair de casa. Estou com minha esposa Débora Raísa e nossa filha Alice. Estamos nos adaptando, lendo, assistindo filmes e fazendo faxina, coisas que se tivéssemos em dias normais não conseguiríamos. Minha filha está adorando.

2 – Seu filme mais recente, “Fim de Festa”, dirigido por Hilton Lacerda, tinha acabado de entrar em cartaz nos cinemas quando a exibição foi interrompida por causa da pandemia. Como foi lidar com esse contratempo?  
É bem difícil lançar um filme aqui no Brasil, principalmente filmes que não são considerados comerciais e que tem alto investimento de divulgação. Fico triste pelo filme, mas o momento exige cuidados.

 3 – “Fim de Festa” é seu segundo trabalho com o diretor pernambucano Hilton Lacerda. Vocês já haviam trabalhado juntos em “Tatuagem”, filme que te trouxe muita popularidade. Qual a sua impressão sobre o filme? Como é trabalhar com o cineasta Hilton Lacerda?

Fim de Festa“, assim como todos os trabalhos de Hilton Lacerda, são trabalhos muito atuais, É um tapa na cara. A linguagem e a forma são incríveis e sensíveis, como ele escreve e dirige. Não é por acaso que ele é tão premiado com seus trabalhos. Hilton me conheceu ainda jovem, no Teatro Oficina. Ele ainda era novo no cinema, havia feito um longa-metragem e um curta. No teatro eu sempre pensava em fazer cinema. Foi aí que Hilton apareceu com o teste para o filme “Tatuagem”. Foi lindo o processo, conheci atores incríveis, e trabalhei com um ator Irandhir Santos, que ainda é minha referência no cinema!

4 – No Festival do Rio de 2015 você ganhou o prêmio de melhor ator pelo seu desempenho no filme “Aspirantes”. Como foi ter seu trabalho reconhecido com um prêmio? Ser premiado mudou a sua carreira?

Já havia ganhado um prêmio de melhor ator no Festival do Ceará, em 2013, com o filme “Se Deus vier que venha armado”. No Festival do Rio havia atores que admiro e sou fã, concorrendo comigo. Isso bateu forte no coração de um ator aspirante como eu. Nós atores recebemos todos os créditos, mas não podemos esquecer que existe um roteiro, um preparador de ator, o diretor, toda a estrutura para chegar onde precisa. E o principal é a equipe, pessoas que põem a mão na massa. Não posso chegar ao set e ver tudo pronto, e fazer de qualquer jeito. Tenho o maior respeito por essas pessoas que não são vistas, mas fazem o filme acontecer! Chegar ao set e não dar o seu melhor, isso é o que eu não admito. Com toda a certeza, o trabalho de toda a equipe ajudou muito nessa premiação. Fiquei bem feliz pelo Júnior, o meu personagem em “Aspirantes”.

Ariclenes Barroso

 5 – Você começou sua carreira pelas mãos de Zé Celso Martinez Corrêa, um dos mais irreverentes diretores do teatro brasileiro. Como foi pra você, ainda criança, lidar com a forte presença de Zé Celso e toda a energia criativa do Teatro Oficina?   

Eu morava em uma ocupação ao lado do Teatro Oficina, tinha uns 10 anos, quando entrei para o teatro, em “Homem 1”, a segunda das cinco peças de “Os Sertões”. Lembro de ter sido jogado em um ensaio corrido, o elenco me colocava e me tirava de cena, eu estava perdido, mas me divertia muito. Passava mais tempo no teatro do que em casa. Viajava muito, apresentações sempre lotadas, não tinha noção do que o teatro oficina representava. Em 2007, quando a turnê de “Os Sertões” terminou, achei que nunca mais iriam me chamar, já estava até trabalhando com outro grupo. Aí surgiu a proposta para protagonizar o espetáculo “Taniko, o Rito do Mar”, texto do dramaturgo japonês Zeami Motokyio, Foi um espetáculo muito bem elaborado pelo Zé Celso, com elementos da cultura japonesa. Um trabalho do qual muito me orgulho. O Zé Celso me criou como um artista. Minha realidade de vida era outra, mas tive uma alternativa de escolha. O Zé tem um carinho por mim até hoje. Sou grato por tudo que ele me ensinou como ator. Foram 8 anos dentro de uma magia que até hoje sinto ferver no meu peito. O Zé é a maior referência do teatro pra mim. E é claro que o grupo do Teatro Oficina tem uma força incrível, irresistível e necessária. Mas tive que tomar a decisão de conhecer um outro universo chamado cinema.

Ariclenes Barroso

6 – A peça “Os Sertões” é uma adaptação do livro homônimo do Euclides da Cunha, um clássico da literatura brasileira. O que você acha do livro?

Li o livro um tempo depois de ter feito a peça “Os Sertões”. Foi lindo ler e visualizar os personagens que o Zé Celso colocou em sua adaptação. Fazer turnê e conhecer lugares como Quixeramobim (CE), e Canudos (BA), lugares onde tem o começo e o fim da vida do meu conterrâneo, Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido como Antônio Conselheiro. Super indico esse livro pré-modernista. Euclides descreve com propriedade o massacre que aconteceu na Guerra de Canudos. Infelizmente o governo é contra a população mais pobre até os dias de hoje. “O Sertanejo é, antes de tudo, um forte”.  

7 – Um dos trabalhos mais interessantes de sua carreira é o videoclipe da música “Amor Marginal”, do cantor Johnny Hooker. No vídeo você está muito à vontade  como ator e aparece dando um beijo na boca do cantor. Como foi a experiência de fazer esse clipe?  

O Johnny me mandou o roteiro e eu logo topei o desafio. Foi maravilhoso ter feito esse clipe. Tenho pessoas próximas que são homofóbicas e viram o clipe. Quando me perguntam se sou gay, digo que sou o que eu quero ser, e não o que eles acham que eu devo ser, O clipe abriu caminho para vários trabalhos com essa temática. Ainda somos um dos países que mais matam gays, lésbicas e transexuais no mundo. Isso sempre tem que ser destacado!

8 – Você tem uma carreira admirável no cinema, com filmes de sucesso como “Tatuagem”, “Ralé”, “Jonas” e “O animal cordial”. Mas seus admiradores sentem falta de você atuando em telenovelas. Será que em algum momento isso vai acontecer?   Tudo tem seu tempo. Sou apaixonado por cinema e teatro, novela ainda não fiz, mas sei que é bem diferente. Estou fazendo muitos seriados, estou no elenco da segunda temporada de “Segunda Chamada”, da Rede Globo. Sempre batemos na trave, acredito que isso pode acontecer. Mas não sofro, sou muito feliz pelas escolhas dos trabalhos que fiz até agora.  

 

Fotos Divulgação e com colaboração de Waldir Leite 

Ariclenes Barroso